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Das ruas às urnas

Joe Biden acusa o presidente Donald Trump de priorizar o poder ao bem da nação, de fomentar o ódio e de ameaçar reprimir os maiores protestos antirraciais em meio século. Especialista aponta falha do republicano ao não demonstrar empatia

Correio Braziliense
postado em 03/06/2020 04:14
Protestos em Nova York, horas antes do início do toque de recolher, prorrogado até domingo: ameaças de Trump não intimidaram os manifestantes





O grito por igualdade racial que se espalha pelos Estados Unidos começa a impactar a campanha eleitoral. Milhares de norte-americanos ignoraram as ameaças do presidente Donald Trump de mobilizar o Exército para conter as manifestações — as quais considera “terrorismo doméstico” — e tomaram as ruas das principais cidades, entre elas, Washington, Nova York, Los Angeles, Houston, St. Paul (Minnesota), Filadélfia e Orlando (Flórida). Joe Biden, virtual candidato à Casa Branca pelo Partido Democrata, acusou o magnata republicano de fomentar a discórdia e de colocar o poder acima do bem comum. “Quando manifestantes pacíficos são dispersados, por ordem de um presidente, das portas da casa do povo, a Casa Branca, utilizando-se gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral, a fim de montar uma foto, (…) podemos ser perdoados por crermos que o presidente está mais interessado no poder do que nos princípios”, declarou Biden, em discurso proferido na Filadélfia. Na tentativa de opor-se à imagem de Trump, ele prometeu não manipular o medo e a divisão. “Não acenderei as chamas do ódio. Buscarei curar as feridas raciais que há muito tempo atormentam nosso país”, disse.

A revolta pela morte de George Floyd — um cidadão negro de 46 anos asfixiado por um policial branco, no último dia 25, em Minneapolis (Minnesota) — atravessou o Oceano Atlântico e chegou a vários países da Europa. França, Holanda, Reino Unido e Turquia registraram protestos em memória de Floyd. Em Paris, 20 mil pessoas participaram de uma marcha não autorizada contra a violência policial e em apoio à família de Adama Traoré, um jovem negro de 24 anos, morto em 2016 depois de ser detido. Houve distúrbios, e a polícia usou gás lacrimogêneo e balas de borracha, enquanto os manifestantes queimaram bicicletas e ergueram barricadas improvisadas.

Em Washington, Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos,  fez coro a Biden. Com a Bíblia na mão, repetindo o gesto feito por Trump ao visitar uma igreja, a poucos metros da Casa Branca, atingida por um incêndio criminoso, a democrata afirmou que o momento é de “cura”. “Em toda a nação, os americanos estão protestando pelo fim do padrão de injustiça e de brutalidade racial que vimos mais recentemente com o assassinato de George Floyd. No momento em que nosso país clama pela unificação, este presidente o está dilacerando”, comentou.

Trump respondeu ao ataque de Biden como de costume. Por meio do Twitter, garantiu que fez mais pela comunidade negra do que qualquer presidente desde Abraham Lincoln (1861-1865) e atacou o provável adversário nas eleições de 3 de novembro. “O sonolento Joe está na política há 40 anos, e nada fez. Agora, pretende ter as respostas. Ele nem mesmo conhece as perguntas. A fraqueza jamais derrotará os anarquistas, os saqueadores ou os os marginais. Joe tem sido politicamente fraco por toda a vida. Lei e ordem!”, escreveu.




Especialista em história política pela American University (em Washington), Allan Lichtman explicou ao Correio que Biden tenta promover o maior contraste possível em relação a Trump. “Ao contrário do presidente, ele tem expressado verdadeira empatia pelas vítimas da violência policial desnecessária. Biden vem abordando as causas subjacentes do levante antirracial, não apenas apresentando uma solução ao estilo militar”, declarou. “O democrata tem encarregado Trump de politizar a crise atual e de mobilizar forças policiais para atacar manifestantes pacíficos por nenhum objetivo além de fornecer ao presidente uma absurda oportunida de foto. Biden também repreendeu o republicano por usar a Bíblia como suporte, ao invés de lê-la e de comprender sua mensagem de paz e de amor.”

Para Lichtman, Trump fracassa ao não demonstrar empatia com os manifestantes. “Ele deveria apresentar soluções para os problemas enfrentados por eles e traçar uma distinção não política entre os ativistas genuínos e o pequeno número de pessoas que usam essa situação como desculpa para saques e outros crimes”, comentou. O estudioso da America University entende que é hora de amainar tensões, não de inflamá-las. “Não existe solução militar para os problemas que afligem os EUA, hoje. Qualquer tentativa de politizar a agitação não funcionará.”





Emoção e cautela
Em uma declaração à imprensa marcada pela emoção, Roxie Washington apresentou a filha de 6 anos, fruto de um relacionamento com George Floyd. “Ele era um bom homem e um bom pai. Ele estava tão feliz em tê-la. Ele a amava tanto. Tomava conta de nós e nos sustentava”, disse Roxie, enquanto enxugava as lágrimas. Em Nova York, o prefeito Bill de Blasio decidiu estender o toque de recolher até domingo — a medida vai vigorar entre 20h e 5h (21h e 6h em Brasília). Na noite de segunda-feira, vitrines de bancos e de comércios foram vandalizadas; lojas tradicionais, como a Macy’s, se tornaram alvos de saqueadores. O toque de recolher também valerá para Los Angeles, Santa Monica, Beverly Hills, São Francisco e Oakland (na Califórnia); Atlanta (Geórgia) e Cleveland (Ohio).





"Não trafegarei pelo medo e pela divisão. Não acenderei as chamas do ódio. Buscarei curar as feridas raciais que há muito tempo atormentam nosso país”

Joe Biden, pré-candidato do Partido Democrata à Casa Branca





A força de um gesto
Desde o início dos protestos contra a morte de George Floyd, algumas imagens tornaram-se simbólicas. Ontem, oficiais do Departamento de Polícia de Los Angeles se ajoelharam (acima), durante marcha organizada pelo Ministério Batista, em memória de Gloyd. No último sábado, o gesto se repetiu em Coral Gables. Em Seattle, uma mulher ofereceu uma flor aos agentes (abaixo). No condado de Genessee, no estado de Michigan, o xerife Christopher Swanson removeu o equipamento antimotim e resolveu marchar com os manifestantes. “Queremos estar com todos de verdade; então, tirei o capacete e deitei os cassetetes”, disse Swanson em vídeo.




“Discriminação endêmica”
A pandemia e as manifestações nos Estados Unidos destacam “as discriminações raciais endêmicas”, declarou a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. “Este vírus mostra as desigualdades endêmicas que foram ignoradas por muito tempo”, acrescentou. De acordo com a ex-presidente chilena, “nos EUA, as manifestações (...) destacam não apenas a violência policial contra os cidadãos de cor, mas também as desigualdades no âmbito da saúde, educação e emprego e também a discriminação racial endêmica”.




“Apagão” nas redes sociais
As principais plataformas das redes sociais divulgaram quadrados com a cor preta, uma espécie de “apagão” em memória de George Floyd. Milhares de post escuros eram acompanhados pelas hashtags #BlackLivesMatter (“Vidas nos negros importam”, pela tradução livre) e #BLM. A campanha, que ganhou a adesão de famosos, também despertou polêmica. “Nós sabemos que não há intenção de causar danos, mas, francamente, isso essencialmente prejudica a mensagem”, escreveu no Twitter Kenidra Woods, ativista do grupo Black Lives Matter. “Nós usamos a hasthag para manter as pessoas informadas. Por favor, parem de usar a hashtag para imagens de cor preta!”, acrescentou.



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