Avanços na tecnologia têm permitido que robôs deem conta de executar atividades até pouco tempo restritas ao mundo da ficção. Imagine ter um chef de cozinha androide ou um autômato que muda o seu formato de acordo com o local em que caminha. Ambas as possibilidades foram apresentadas na Conferência Internacional da IEEE sobre Robótica e Automação (ICRA 2020), um dos maiores eventos da área, realizado virtualmente, neste ano, em razão da pandemia da covid-19.
O robô com habilidades culinárias foi desenvolvido por engenheiros da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Há outras iniciativas em desenvolvimento nessa área, ainda experimentais, mas o que chama a atenção nesse projeto é que o androide cumpriu todas as etapas do preparo de uma omelete e ainda conseguiu deixar o prato gostoso. “As omeletes, em geral, tinham um ótimo sabor. Muito melhor do que o esperado”, garante, em comunicado, Fumiya Iida, cientista do Departamento de Engenharia de Cambridge.
O líder da pesquisa conta que, com a escolha de um prato aparentemente simples, foi possível avançar em áreas-chave da robótica, como a destreza, a otimização e a adaptabilidade. “Uma omelete é um daqueles pratos fáceis de preparar, mas difíceis de preparar. Nós pensamos que seria um teste ideal para melhorar as habilidades de um chef robô e otimizar o sabor, a textura, o cheiro e a aparência”, explica.
Para o chef futurístico quebrar os ovos e preparar uma boa omelete, a equipe recorreu a um treinamento baseado em aprendizagem de máquina. Com ele, foi possível incluir algo que ainda é um desafio na robótica: a subjetividade. Isso porque a equipe britânica tinha que desenvolver uma máquina cujo resultado do trabalho agradasse a humanos com diferentes preferências alimentares. “Cozinhar é um problema realmente interessante para os roboticistas. Já que os humanos nunca podem ser totalmente objetivos quando se trata de comida, então, como nós, cientistas, avaliamos se o robô fez um bom trabalho?”, diz Fumiya Iida.
Algoritmos ajustados
Diferentemente de outros problemas de automatização, mais quantitativos, a equipe precisou desenvolver ferramentas especiais. Eles recorreram a uma ferramenta estatística chamada inferência Bayesiana, capaz de modelar computacionalmente qualquer tipo de problema probabilístico. Dessa forma, extraíram o máximo de informações possíveis de uma quantidade limitada de amostras de dados — evitando um excesso de provadores humanos para chegar à fórmula da melhor omelete.
“Outro desafio que enfrentamos foi a subjetividade do senso de paladar. Os humanos não são muito bons em dar medidas absolutas e, geralmente, dão medidas relativas quando se trata de sabor. Portanto, precisávamos ajustar o algoritmo de aprendizado de máquina (…) para que provadores humanos pudessem fornecer informações com base em avaliações comparativas”, conta Fumiya Iida.
Fernando Santos Osório, professor do Departamento de Sistemas de Computação do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, chama a atenção para essa capacidade avançada do robô em aprender e otimizar tarefas. “O artigo mostra que ele gera variações de omeletes e, depois, busca produzir o que melhor agrada às pessoas”, diz.
A habilidade ao pegar os ingredientes e os equipamentos culinários também impressionou o professor da USP. “Ele tem destreza de manipular os ovos, os outros ingredientes, a fritadeira, e de controlar precisamente as variáveis de mistura de ingredientes, o tempo de cozimento, a mistura, entre outros”, lista. “O robô deixa de ser aquela máquina que executa sempre tarefas repetitivas, fazendo exatamente o que foi previamente programado. Agora, ele melhora seu desempenho, aprende e se adapta de modo a oferecer um resultado melhor.”
O especialista brasileiro lembra que as habilidades do chef robô se diferem muito das máquinas mais antigas. “Como os robôs industriais, que não tinham esse tipo de capacidade e agilidade motora fina”, ilustra Fernando Santos Osório. Para os criadores, os resultados obtidos demonstram que o aprendizado da máquina pode ser usado para obter melhorias quantificáveis na otimização do preparo de alimentos. A equipe planeja conduzir mais estudos a fim de investigar outras técnicas de otimização robótica e sua viabilidade.
O robô deixa de ser aquela máquina que executa sempre tarefas repetitivas,
fazendo exatamente o que foi previamente programado. Agora, ele melhora
seu desempenho, aprende e se adapta de modo a oferecer um resultado melhor”
Fernando Santos Osório,
professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de omputação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos
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