Correio Braziliense
postado em 13/06/2020 04:14
Quanto custa o “cada um por si”?
Uma conjunção de dados econômicos e decisões políticas praticamente obriga o governo brasileiro a adicionar novos termos à equação desafiadora montada para estimar os custos da recuperação econômica no pós-covid. Mais do que as necessárias projeções numéricas, que prenunciam retração de dimensões históricas em diferentes regiões do mundo, será decisivo discernir, no cenário incerto esboçado por seis meses de crise sanitária, entre os diferentes caminhos oferecidos para a inserção do país no curso da retomada global — um salto acrobático descrito com verve na expressão “subir no bonde andando”.
Desde o início do mandato, em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro procurou encarnar, na frente diplomática, o lema de campanha “Brasil acima de tudo”. Não é mera coincidência a semelhança com o “América (EUA) em primeiro lugar”, que ajudou a eleger Donald Trump em 2016. A lógica de ambos os slogans, fundada na opção pelo unilateralismo nas relações internacionais, traz um preço embutido — e as condições desenhadas pela pandemia realçam o porte dos desafios.
Intocáveis
O Brasil, visto hoje como a “bola da vez” na dinâmica de contágio do coronavírus, experimenta no futuro imediato as implicações de medidas assentadas na lógica do “cada um por si”. Para começar, a restrição imposta pelos EUA à entrada de viajantes com passagem por aqui.
A União Europeia, que ensaia a reabertura ao turismo externo, antecipa que serão barrados viajantes de áreas do mundo com transmissão sustentada do vírus — categoria na qual estariam, hoje, os residentes no Brasil.
Com quem andas
Por trás da situação de portas, no mínimo, semicerradas, o quadro que se delineia é de uma escolha colocada diante do governo Bolsonaro. Em especial, a pergunta se apresenta ao chanceler Ernesto Araújo: com quem o Brasil escolhe andar lado a lado?
A ala do governo identificada com o “guru” Olavo de Carvalho tende a priorizar as alianças com Trump e com o premiê direitista de Israel, Benjamin Netanyahu. Não por acaso, trata-se de governantes que fazem coro com a repulsa do bolsonarismo a órgãos que simbolizam o sistema multilateral erguido no pós-Segunda Guerra. A ONU e suas agências, como a OMS, encabeçam a “lista maldita”.
Paga para ver
Se levar às últimas consequências a ameaça de romper com a OMS, seguindo a trilha explorada pelo (muy) amigo Trump, Bolsonaro pagará a conta do prejuízo causado por uma espécie de quarentena imposta de fora para dentro.
Carimbado com o “selo” de país onde a pandemia segue fora de controle, e sem fornecer dados considerados confiáveis, o Brasil ver-se-á compelido a bancar o jogo de alto risco do unilateralismo.
Os sinos dobram
As últimas projeções de organismos internacionais para o desempenho da economia global — e de países e regiões, individualmente — fazem soar alarmes. No caso dos EUA, praticamente sepultam esperanças de uma retomada do emprego a tempo de ajudar Trump na disputa pela reeleição, prevista para novembro
No Reino Unido, que antes da covid-19 enfrentava o espectro do Brexit, são dados locais que prenunciam para o ano uma retração econômica de até 20%.
Governos que escolheram o caminho do “eu primeiro” se encaminham para o mundo desconhecido pós-covid, com o risco de terem de lidar sozinhos com os estragos no tecido socioeconômico.
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