A afinidade ideológica com o presidente norte-americano, Donald Trump, pode transformar o Brasil em pária na luta global contra o racismo e a violência policial. Na véspera da votação de um projeto de resolução, por parte do Conselho de Direitos Humanos da ONU, com a proposta de estabelecimento de uma comissão internacional e independente para investigar o abuso policial e o racismo contra a população negra nos Estados Unidos, a diplomacia brasileira se opôs ao documento, após pressão dos norte-americanos. Washington instou os aliados a retirarem a menção aos EUA na versão final do texto. Segundo a agência France-Presse, o novo rascunho a ser apresentado hoje, limita-se a pedir à alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que “estabeleça os fatos e as circunstâncias relativas ao racismo sistêmico, às supostas violações do direito internacional em termos de direitos humanos e aos maus-tratos contra os africanos e as pessoas de origem africana”.
Ao discursar na tribuna, a embaixadora Maria Nazareh Farani Azêvedo — representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra — tratou de desvincular o racismo da imagem dos Estados Unidos. Ela classificou o racismo de “chaga enraizada em diferentes regiões do mundo” e afirmou que nenhuma nação deve ser singularizado no que diz respeito a isso. Apesar de ponderar que o preconceito racial em operações policiais não pode ser tolerado em nenhum país, Maria Nazareth sublinhou o papel “indispensável” da polícia na garantia do direito à segurança pública e na proteção aos direitos.
O debate no Conselho de Direitos Humanos da ONU ocorreu em caráter de emergência, provocado pelo assassinato do afroamericano George Floyd, asfixiado pelo policial branco Derek Chauvin, em Minneapolis, no último dia 25. Bachelet referiu-se à morte de Floyd como um “ato de brutalidade gratuita” e exemplo “do racismo sistêmico que prejudica milhões de pessoas de origem africana”. Por meio de um telão, Philonise Floyd, irmão de George, pediu à ONU que “ajude os americanos negros”. “Vocês têm o poder de nos ajudar a obter justiça”, declarou, ao cobrar uma “comissão de investigação independente sobre pessoas negras mortas pela polícia nos Estados Unidos e sobre a violência aplicada contra manifestantes pacíficos”.
Para Camila Asano, diretora de programas da organização não governamental Conectas Direitos Humanos, o Brasil terá a oportunidade, hoje, de retomar o protagonismo e o compromisso com a luta antirracista, ao apoiar uma resolução que determina a criação de um mecanismo de apuração dos casos de racismo e de violência policial nos Estados Unidos. “Caso se abstenha ou vote contra, o Itamaraty de Ernesto Araújo ficará marcado na história da diplomacia brasileira como responsável por manchar de vez a imagem internacional do país”, afirmou ao Correio, por e-mail.
Asano vê a fala da embaixadora Nazareth Farani Azevêdo de que o racismo não é exclusivo de nenhuma região do mundo como “uma maneira encontrada pela diplomacia brasileira de esquivar-se da crítica à situação de racismo e violência policial nos Estados Unidos, que era o tema do debate”. “O Brasil possui um respeitável histórico de praticipação nas resoluções das Nações Unidas referentes à questão racial, sendo, inclusive, líder de resoluções que debatem o tema racismo e democracia. Mais uma vez, o governo de Jair Bolsonaro prioriza alinhamentos político-ideológicos com países como os EUA em detrimento do comprometimento com as garantias de promoção dos direitos humanos”, lamentou.
Ainda segundo Asano, é recorrente a tentativa do Estado brasileiro de reverter a lógica das acusações de violência policial e afirmar que a polícia do país respeita os direitos humanos e garante o direito à segurança pública. “Mas, para quem? A polícia brasileira mata até cinco vezes mais do que a norte-americana — 75% das vítimas de violência policial no Brasil são pessoas negras. O enfrentamento ao racismo no país requer comprometimento com novas políticas de segurança pública que protejam e respeitem toda a população”, observou a diretora da Conectas Direitos Humanos.
Eurodeputada denuncia violência policial
A eurodeputada alemã Pierrette Herzberger-Fofana (foto), 71 anos, causou surpresa ao denunciar. no Parlamento Europeu, que foi vítima de violência policial na Bélgica, na véspera de um debate sobre o racismo. A versão da eurodeputada, negra, foi rebatida pela polícia belga. Nascida em Bamako, capital do Mali, a ambientalista contou que estava nos arredores da Estação do Norte de Bruxelas quando viu nove policiais “intimidarem dois jovens negros” e decidiu filmar a cena com o celular. Segundo o relato de Pierrette, os policiais dirigiram-se até ela, tomaram seu telefone e quatro deles a empurraram “brutalmente contra um muro”, com as pernas separadas, antes de fazerem uma revista. “Fui tratada de forma humilhante. Quando disse que era eurodeputada, não acreditaram. Isso porque eu estava com meus dois passaportes: o do Parlamento Europeu e o alemão”, assinalou. Audrey Dereymaeker, porta-voz da polícia, rebateu o relato, mas confirmou que a deputada passou por um controle de identidade e disse que ela seria investigada por insultar os oficiais.
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