Mundo

Política à sombra do coronavírus

A pandemia entrou no discurso governista a favor de uma ordem jurídica que permite a Putin o poder vitalício

Correio Braziliense
postado em 27/06/2020 04:05

Com uma semana de antecipação, mais de 110 milhões de eleitores na Rússia já estão votando sobre um pacote de reformas políticas de iniciativa do presidente Vladimir Putin. O projeto foi aprovado sem dificuldade no parlamento, de ampla maioria governista. Em resumo, o texto permite ao presidente exercer mais dois mandatos de seis anos — caso reeleito — a partir de 2024, quando expira o atual período.

Em resumo, Putin assegura para si a possibilidade de ficar no Kremlin até 2036. Considerando que governa o país desde 2000, incluindo quatro anos (2008-2012) em que foi primeiro-ministro, tendo como presidente o discípulo e ex-premiê Dmitri Medvedev, ele se tornaria o líder mais longevo desde o fim da monarquia czarista.

Previsto originalmente para abril, o referendo foi adiado para 1º de julho por conta da covid-19. A mesma razão foi invocada para adiantar em uma semana o início da votação, de modo a evitar aglomerações nas seções eleitorais. A pandemia entrou igualmente no discurso governista em favor de uma ordenação jurídica que, na prática, possibilita ao presidente, hoje com 67 anos, exercer o poder em regime praticamente vitalício.
O desafio de reerguer o império de Ivan (“o Terrível”), Catarina e Pedro (“o Grande”), no pós-pandemia, tornou-se argumento central da campanha pelo sim às reformas. Caso contrário, alega o presidente, “daqui a dois anos, em vez de trabalhar pelo país, vão estar todos procurando um sucessor”.

Novembro à vista

Em outra potência militar/nuclear — e, no caso, também econômica —, o cenário político tem sido igualmente condicionado pela escalada do coronavírus. Os Estados Unidos terão, em novembro, eleições presidenciais e legislativas. Donald Trump começou o ano com a economia em boa marcha e a reeleição, aparentemente, garantida.

A chegada avassaladora da covid-19 perfilou-se como a primeira preocupação — e primordial. Trump se apresentou, de início, como negacionista. Desfilou, por sinal, quase a abraços com o colega brasileiro, Jair Bolsonaro, um dos últimos coronacéticos.

Passados quase seis meses de emergência sanitária, EUA e Brasil disputam a indesejada liderança nas estatísticas da pandemia. Compartilham a posição de alvos de desconfiança para parceiros como a Europa, que estuda e ensaia a reabertura — inclusive para o turismo internacional. E  Trump aparece nas intenções de voto nacionais 14 pontos atrás de Joe Biden, vice de Barack Obama e candidato da oposição democrata.

Bicentenário

Para o presidente brasileiro, o horizonte se estende até 2022, quando será a vez de testar, nas urnas, a resposta dos eleitores ao período iniciado em 1º de janeiro de 2019. Mas, dificilmente, a pauta da campanha eleitoral contornará a resposta à covid-19.

O Brasil entra julho com curvas ascendentes, seja em número de casos confirmados ou de mortes. Indica, até aqui, não ter sequer passado por uma primeira onda”. Permanece nas listas de risco para países ou regiões do mundo que procuram minimizar o impacto de uma segunda onda de contágio.

Purgatório

Não por acaso, é para o Brasil que se voltam as atenções e preocupações de quem pensa e conduz as relações com a América Latina. A capacidade para debelar a epidemia determinará a capacidade do país para interceder nos processos regionais.
 
Em outras palavras: o país terá sua voz ouvida, na vizinhança, em proporção ao quanto exercerá de liderança real.
 
 

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