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Guinada conservadora na França tem pandemia como pano de fundo

Derrota nas eleições municipais leva o presidente Emmanuel Macron a aceitar a demissão do premiê Édouard Philippe e a escolher novo primeiro-ministro. O conservador Jean Castex assume cargo respaldado pela luta contra a covid-19

Correio Braziliense
postado em 04/07/2020 07:00
O ex-primeiro-ministro Édouard Philippe (C) é aplaudido pelo sucessor, Jean Castex (D), no pátio do Matignon Hotel, em Paris, durante cerimônia de transmissão de cargoA menos de dois anos das eleições, o presidente da França, Emmanuel Macron, deu uma guinada radical na política nacional, com a designação de um novo primeiro-ministro. O conservador Jean Castex (leia Personagem da notícia),  prefeito da pequena cidade de Prades, no extremo sul do país, assume o cargo no lugar do também conservador Édouard Phillipe, que apresentou a demissão em bloco do governo, na manhã de ontem. Um completo desconhecido no establishment de Paris, Castex ganhou projeção política por sua estratégia de desconfinamento durante a pandemia da covid-19 — o novo coronavírus infectou mais de 204 mil franceses e matou quase 30 mil. O novo premiê declarou que pretende “unir o país à frente da crise econômica e social”. “As prioridades terão que evoluir e os métodos, que se adaptar”, avisou. O revés do partido governista A República em Marcha (LREM) nas eleições municipais do último domingo foi o prenúncio da mudança.

De acordo com Jacques Sapir, diretor da Faculdade de Estudos Superiores em Ciências Sociais (em Paris), Castex tem a reputação de ser um bom administrador. “Veremos como ele comandará a chamada ‘virada verde’ que Macron tenta impulsionar”, afirmou ao Correio, em alusão ao recente anúncio, por parte do Palácio do Eliseu, de um bilionário pacote de investimentos para transformar a economia da França em um modelo mais ecológico. Sapir admitiu que é “bastante clássico o presidente apontar um novo primeiro-ministro quando deseja fazer mudanças políticas importantes, geralmente depois de perder uma eleição municipal ou regional”. “Os ex-presidentes François Miterrand, Jacques Chirac e François Hollande, também o fizeram.”

Ainda segundo Sapir, com a rápida deterioração da economia francesa, o país tem se engajado em debates sobre como o governo Macron administrou a pandemia e sobre o gerenciamento da polícia. A essa conjuntura, soma-se a ampla derrota nas eleições municipais. “Nesse cenário, a escolha por Castex não é capaz de atrair aplausos e simpatia da opinião pública francesa”, admitiu. Ele acredita ser óbvio que Macron deseja um novo primeiro-ministro que possa associar a figura do presidente ao sucesso na luta contra a covid-19. “Um ponto interessante é que Castex está intimamente ligado ao ex-presidente Nicolás Sarkozy, sugerindo algum tipo de mudança da centro-direita para a direita”, disse Sapir.

Critérios

Professor emérito de ciência política da Universidade de Paris-Nanterre, Alain Garrigou explicou ao Correio que, durante o ritmo político da Quinta República, o presidente escolhe dois premiês em seu mandato quinquenal. “O primeiro deles é dotado de capital partidário pessoal; o segundo é uma criatura do presidente. Ninguém conhece o novo primeiro-ministro. A mudança ocorre sempre depois de dois ou três anos, a fim de preparar as próximas eleições presidenciais”, afirmou.

O estudioso lembrou que o “macronismo” incide em um modo gerencial e conservador. “Macron escolheu Castex, um político que veio da mesma faculdade de ciência política dele próprio e de Philippe”, disse. Garrigou não acredita em um conflito político entre Macron o ex-premiê Édouard Philippe. “Provavelmente, a demissão deve-se a um plano para a próxima eleição, a fim de pavimentar caminho para uma sucessão justa durante uma situação de incerteza em 2022.” A mudança de rumo da política francesa ocorre em um momento conturbado: além da covid-19, o país enfrenta protestos dos gilets jaunes (“coletes amarelos”) — movimento de contestação às políticas fiscal e social do Palácio do Eliseu —, a greve contra a reforma da previdência e o descontentamento dos profissionais da saúde. Ontem, o procurador-geral francês, François Molins, abriu inqúerito judicial para a apurar a gestão da crise do coronavírus contra Édouard Philippe, Olivier Véran e Agnès Buzyn, todos membros do governo Macron. Buzyn foi ministra da Saúde até meados de fevereiro, quando foi sucedida por Vèran.

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