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Um passo no escuro

Projeto de Israel de anexar partes da Cisjordânia eleva a tensão no Oriente Médio. Facções palestinas prometem união contra a primeira incorporação de um território árabe em quatro décadas. Embaixador alerta para desestabilização regional

Correio Braziliense
postado em 05/07/2020 04:06
Vista parcial da colônia judaica de Givat Zeev, perto de Ramallah, sede do governo palestino


Os planos do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de anexar partes da Cisjordânia têm os potenciais de lançar o Oriente Médio em nova espiral de violência e de minar possibilidades de novo acordo de paz. Na última quinta-feira, o partido Fatah, do presidente Mahmud Abbas, e o movimento fundamentalista islâmico Hamas prometeram uma até então impensável união para impedir a manobra do Estado judeu, em nome do consenso nacional. Nos territórios ocupados da Cisjordânia, mesmo colonos israelenses se aliaram aos palestinos para criticar o projeto de Netanyahu, por verem grave ameaça à reconciliação nacional. A anexação de áreas da Cisjordânia representaria um novo capítulo da história de Israel e a maior expansão das fronteiras em quase quatro décadas — em 1967, o país incorporou Jerusalém Oriental ao seu território; 14 anos depois, foi a vez das Colinas do Golã. Atualmente, 450 mil israelenses estão assentados nas colônias judaicas da Cisjordânia, convivendo com cerca de 2,8 milhões de palestinos. Se concretizada, representará uma perda de 30% do território. A imprensa israelense anunciou que Netanyahu pode detalhar o plano nesta semana.

Em entrevista ao Correio, por e-mail, Saeb Erekat — negociador-chefe palestino e secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) — explicou que está em engajamento ativo com a comunidade internacional para responder à provável anexação. “Por mais que tomemos medidas internamente, será impossível que reajamos sozinhos. Duas semanas atrás, tivemos uma votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a responsabilização pelas violações dos direitos humanos na Palestina. O Brasil votou contra”, lamentou, ao citar as tentativas do Brasil de bloquear uma investigação do Tribunal Penal Internacional. “São passos concretos que encorajam Israel a seguir adiante com a anexação. Permitir o que está ocorrendo não é apenas uma ameaça aos direitos palestinos, mas a toda a ideia de uma ordem mundial baseada em regras”, alertou Erekat.

A reportagem também entrou em contato com o embaixador da Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben. O diplomata acusou Israel de tirar vantagem da crise provocada pela covid-19. “Os israelenses sabem que a atenção do mundo está desviada para o combate à pandemia do novo coronavírus. Não podemos admitir, de jeito nenhum, essa ameaça e essa chantagem por parte de Israel”, afirmou.



Alzeben lembra que o governo Netanyahu conta, única e exclusivamente, com o apoio dos Estados Unidos e que 193 congressistas norte-americanos assinaram um documento contra o plano de paz de Washington para o Oriente Médio. “A anexação da Cisjordânia é um projeto de Trump e de Netanyahu, com a participação de atores, como David Friedman (embaixador dos EUA em Jerusalém). Eles têm interesses comerciais e ideológicos nos assentamentos dos territórios ocupados, os quais são ilegais.”

Direitos

Questionado sobre medidas retaliatórias de Israel, Alzeben sublinhou que os palestinos farão uso de seus direitos. “A questão palestina é universal. É responsabilidade da comunidade internacional, da Liga Árabe e da Organização para a Cooperação Islâmica. Elas se pronunciaram a respeito e condenaram a atitude de Israel. Nós iremos a todos os fóruns internacionais e ao Tribunal Penal Internacional”, avisou. Para o embaixador palestino, a anexação de partes da Cisjordânia afeta a vida da população árabe dos territórios ocupados e desestabiliza todo o Oriente Médio.

O Correio tentou uma entrevista com o embaixador de Israel em Brasília, Yossi Shelley, mas recebeu a resposta de que a embaixada “ainda está obtendo informações sobre esse tema junto ao Ministério das Relações Exteriores”. Citado pela agência France-Presse, Saleh Hijazi, especialista da Anistia Internacional sobre o conflito israelo-palestino, destaca: “O direito internacional é claro. A anexação é ilegal”. Ele frisou que, se Israel seguir adiante, mostrará “desrespeito cínico pelo direito internacional, em favor da lei da selva”.

Cientista político da Universidade Bar-Ilan, em Ramat Gan (Israel), Menachem Klein advertiu que o plano de anexação dificultará ainda mais uma solução baseada na coexistência de dois Estados autônomos — Israel e Palestina. “A anexação poderá levar a confisco de terra, expansão de assentamentos e deportação de palestinos. Enfim, à mudança do regime israelense na Cisjordânia da forma de ocupação para o apartheid”, disse à reportagem. Klein aponta que esses obstáculos deveriam ser removidos para viabilizar um acordo de paz. “Os palestinos pedirão ao maior número possível de países para que reconheçam a Palestina e levarão Israel ao Tribunal Penal Internacional. No âmbito doméstico, provavelmente veremos uma nova intifada.”



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