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Covid-19 aumenta a fome no mundo, e mortes podem chegar a 12 mil por dia

Estudo elaborado pela organização não governamental Oxfam adverte que a pobreza extrema pode levar à morte adicional de 6,1 mil a 12,2 mil pessoas por dia, até o fim do ano. Brasil corre alto risco de retornar ao mapa da desnutrição

Correio Braziliense
postado em 09/07/2020 06:00
Fila para receber alimentos em centro de distribuição na região de Kasala, na República Democrática do Congo, uma das nações citadas pela OxfamEm um estudo inédito realizado por conta da pandemia de covid-19, a Oxfam International advertiu sobre o aumento da fome no planeta, à medida que o novo coronavírus lança milhões de pessoas na pobreza extrema. De acordo com dados da organização não governamental britânica, divulgados na noite de ontem, a covid-19 “jogou lenha à fogueira” de uma crise alimentar que vinha se acirrando nos últimos anos. Pelas estimativas da Oxfam, até o fim de 2020, entre 6,1 mil e 12,2 mil pessoas poderão morrer diariamente de fome em decorrência dos impactos socioeconômicos da pandemia. Os dados emitem um alerta global e direcionado ao Brasil, que corre o risco de voltar ao mapa da fome. Fundada em 1942, a Oxfam atua em mais de 90 países.

O Programa Mundial de Alimentos (PMA) — agência da Organização das Nações Unidas (ONU) — estima que 270 milhões de pessoas estarão em situação de crise de fome antes do fim do ano. O número representa um aumento de 82% em relação ao registrado em 2019, devido à pandemia. No ano passado, 821 milhões de pessoas sofriam de insegurança alimentar no mundo, das quais 149 milhões estavam em situação de crise de fome ou pior. Os dados da ONU estimam uma média diária de 25 mil pessoas mortas pela fome em 2018. Com a previsão da Oxfam de mortes adicionais provocadas pela covid-19, o volume médio de perdas diárias de vidas para a fome crescerá até 50% neste ano.

O comunicado da Oxfam destaca os 10 países e regiões com a maior incidência de fome extrema nos quais a crise alimentar é mais grave e se acirra em decorrência da pandemia: Iêmen, República Democrática do Congo (RDC), Afeganistão, Venezuela, região do Sahel da África Ocidental, Etiópia, Sudão, Sudão do Sul, Síria e Haiti. Juntos, esses países e regiões abrigam 65% das pessoas em situação de crise de fome em todo o mundo.

A entidade ressalta que há países e regiões de renda média que enfrentam riscos de alta na incidência da fome. É o caso de Índia, África do Sul e Brasil, que apresentam números crescentes de pessoas que estão sendo empurradas pela pandemia para situação de fome. A Oxfam destacou que até mesmo nações desenvolvidas não estão imunes. “Dados do governo do Reino Unido mostram que, nas primeiras semanas de lockdown no país, cerca de 7,7 milhões de adultos foram obrigados a reduzir o tamanho das suas refeições ou pular refeições, e até 3,7 milhões precisaram recorrer à comida de caridade ou a um banco de alimentos.”

No documento, a Oxfam aponta que o mundo já vive um período de extrema desigualdade, com quase metade da população mundial sobrevivendo com menos de US$ 5,5 por dia, enquanto os 2,2 mil bilionários do planeta detêm riqueza superior à de 4,6 bilhões de pessoas juntas. “A pandemia está explorando e exacerbando as desigualdades, na medida em que os que estão na base da pirâmide social são os mais impactados pela perda de empregos e de renda”, informou a entidade, ao propor uma série de medidas aos governos para evitarem esse cenário de fome extrema em formação (Veja quadro).

Retrocesso


O Brasil é apontado pela Oxfam como uma das nações com alto risco de aumento de pessoas em situação de extrema pobreza. O país, inclusive, pode retornar ao chamado “mapa da fome”, depois de conseguir sair em 2014. A entidade destaca que o número de pessoas em situação de fome tem crescido desde a recessão de 2015 e 2016, “como resultado do aumento das taxas de pobreza e de desemprego e de cortes nos orçamentos para a agricultura familiar e para a proteção social”.

“Com a crise provocada pela pandemia não será possível mascarar os problemas que existiam, antes da covid-19, referentes à precarização do mercado de trabalho. Por mais que ocorra uma recuperação ainda neste ano da economia, isso não vai se sobrepor aos problemas que existiam devido ao aumento da informalidade nos últimos anos”, destacou, em entrevista ao Correio, Maitê Gauto, gerente de Programas e Incidência da Oxfam Brasil. “Por mais que as pessoas conseguiram gerar renda antes do início da pandemia, elas vivem em um nível de insegurança financeira muito grande. E a covid-19 deixou isso muito claro”, afirmou.

A executiva lembrou que os 38 milhões de trabalhadores informais identificados como público apto a receber o auxílio emergencial de R$ 600, na primeira estimativa de março, continuarão vulneráveis, mesmo quando o prazo de cinco meses do benefício acabar. Isso porque o processo de retomada da economia e do emprego deverá levar até dois anos para ocorrer.

Maitê considera que o risco de o Brasil voltar para o mapa da fome será alto, caso o governo não tome as medidas necessárias para garantir as políticas mínimas de proteção social. “Um projeto de renda básica de longo prazo é importante nesse sentido, assim como restabelecer as medidas bem sucedidas do combate à fome. Caso contrário, a tendência é de que o país volte ao mapa da fome”, destacou.

O Brasil deixou de fazer parte do mapa da fome em 2014, quando conseguiu a façanha de manter menos de 5% da população em condição de extrema pobreza, graças às medidas de amparo social e de melhora na conjuntura econômica. No entanto, o número tornou a crescer — de 4,9 milhões de pessoas, em 2014, para 5,2 milhões, em 2018. “Para evitar que o Brasil volte para o mapa da fome, é importante que o governo não negligencie medidas para evitar a escalada dela. Ainda estamos em tempo de segurar a disparada e garantir que as pessoas não sofram de maneira severa as consequências dessa recessão provocada pela pandemia”, pontuou.

» Medidas urgentes


Além da necessidade de os governos adotarem ações para conter a propagação do novo coronavírus, a Oxfam recomenda providências urgentes para fazer frente à crise de fome global em formação.

Ajuda humanitária
Os governos doadores devem financiar, na íntegra, o apelo da ONU por ajuda humanitária ante a covid-19, a fim de assistir comunidades e grupos mais vulneráveis, incluindo mulheres, trabalhadores migrantes e comunidades deslocadas. Os governos devem também garantir que os produtores de alimentos possam voltar a trabalhar com segurança, facilitar a circulação de agricultores e trabalhadores agrícolas, abrir mercados de alimentos e garantir acesso a insumos agrícolas.

Justiça e sustentabilidade alimentar
Os governos devem assumir o compromisso de realizar uma reunião de alto nível durante a sessão do Comitê de Segurança Alimentar Mundial, a ser realizada, em Roma, em outubro deste ano, para coordenar medidas no sentido de garantir que o estabelecimento de sistemas alimentares mais justos, adequados, resilientes e sustentáveis, constitua um elemento central das medidas de recuperação pós-pandemia.

Participação das mulheres
As mulheres devem ter a oportunidade de participar e liderar decisões sobre como reparar o nosso sistema alimentar falido. Para compreender todas as implicações dos desafios que as mulheres estão enfrentando em decorrência da pandemia, dados desagregados por gênero devem ser coletados e usados para informar decisões sobre como responder a esses desafios.

Cancelamento de dívidas
A comunidade internacional deve ampliar o cancelamento de dívidas, no sentido de abranger todas as dívidas privadas, bilaterais e multilaterais de países de baixa e média rendas e com credores privados. Tal medida liberaria US$ 1 trilhão em receitas para ajudar países em desenvolvimento a arcarem com os custos de pacotes de resgate econômico para pequenas empresas e medidas de proteção social, como o pagamento de auxílios emergenciais em espécie para ajudar as pessoas a sobreviver.

Combate à crise climática
São necessárias medidas urgentes para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, impedir que as temperaturas globais subam acima de 1,5 grau e ajudar pequenos produtores a se adaptarem às mudanças climáticas. Para esse fim, é necessário abordar as emissões da agricultura,  responsáveis por um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa — principalmente oriundas do desmatamento, da pecuária e 
do uso de fertilizantes.

Cessar-fogo global
A Oxfam apela a todos os países e partes envolvidas em conflitos que respondam ao apelo do secretário-geral da ONU (António Guterres) por um cessar-fogo global. Eles devem parar imediatamente de lutar e vender armas, para permitir que as pessoas recebam ajuda humanitária e que os esforços de paz avancem.

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