Mundo

Filtro pode capturar 100% do coronavírus

Equipamento feito com espuma de níquel, material usado para isolamento acústico, ajudará a conter a disseminação do Sars-CoV-2 em ambientes fechados. Em testes, dispositivo criado por cientistas americanos também consegue barrar esporos de antraz

Correio Braziliense
postado em 09/07/2020 04:18
A solução poderá ser usada em locais com maior concentração de pessoas, como escolas e hospitais


Em meio às discussões sobre o potencial de contágio do Sars-CoV-2 pelo ar, pesquisadores da Universidade de Houston, nos Estados Unidos, apresentaram o protótipo de um filtro que consegue eliminar 100% do micro-organismo em locais fechados. Na terça-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta de que são crescentes as evidências de que o causador da covid-19 pode ser transmitido ao ar livre e “a dezenas de metros” de distância em ambientes internos. Embora parte da comunidade científica lance dúvidas sobre a transmissão desse vírus em áreas externas, é praticamente consenso que, dentro de casas, lojas, hospitais, aviões etc., o risco de contaminação é grande.

Com a retomada das atividades laborais e comerciais em todo o mundo, Zhifeng Ren, diretor do Centro de Supercondutividade da Universidade de Houston, lembra que é urgente o desenvolvimento de tecnologias que evitem o contágio em ambientes internos. Um estudo realizado na China há dois meses, por exemplo, demonstrou que o ar-condicionado em um restaurante de Wuhan contaminou fregueses que almoçavam no mesmo setor em que se encontrava uma família que não sabia estar com a doença. Outra pesquisa, também chinesa, detectou quantidades consideráveis de partículas do Sars-CoV-2 na sala em que médicos de um hospital de referência no tratamento da covid-19 trocam de roupa.

Em um estudo publicado, agora, na revista Materials Today Physics, os pesquisadores de Houston demonstraram que, em uma única filtragem, 99,8% do novo coronavírus foi eliminado, assim como 99,9% dos esporos de antraz, infecção causada pela bactéria Bacillus anthracis. Esses testes foram realizados no Laboratório Nacional de Galveston, do Departamento Médico da universidade. O filtro é feito com uma espuma de níquel — material absorvente sonoro —aquecida a 200ºC.

Para os pesquisadores, o equipamento poderá ser usado em aeroportos, aviões, escolas, escritórios e navios de cruzeiro, evitando a disseminação da covid-19. “A capacidade do filtro de ajudar a controlar a propagação do vírus pode ser muito útil para a sociedade”, acredita Zhifeng Ren. Ele conta que a empresa de equipamentos médicos que fabricou o protótipo já quer, inclusive, desenvolver um modelo de mesa para proteger os trabalhadores em suas estações.

Suspenso por horas

Estudos anteriores realizados por outras equipes de pesquisadores indicam que o Sars-CoV-2 fica no ar por volta de três horas. Como o vírus também já se mostrou incapaz de sobreviver a temperaturas acima de 70ºC, os cientistas de Houston teorizaram que um filtro aquecido poderia retirar o micro-organismo de circulação e matá-lo. Nos testes de laboratório, a temperatura aplicada foi de 200ºC — sob esse calor, o patógeno morreu instantaneamente. O material escolhido para filtrar o ar foi a espuma de níquel, muito usada comercialmente no isolamento acústico. Ela é porosa, flexível e, como é condutora de eletricidade, pode ser aquecida.

Um problema inicial foi a resistência do material ao calor intenso, necessário para eliminar o vírus instantaneamente. Para contorná-lo, Ren decidiu dobrar a espuma e conectar os compartimentos do filtro com fios elétricos. Isso foi suficiente para que ela suportasse até 250ºC. “Essa fiação interna dispensou a necessidade de uma fonte externa para aquecer o filtro, e isso minimiza a quantidade de escape de calor. O sistema conferiu eficiência ao aparelho: o ar-condicionado funciona bem, sem muito esforço”, diz.

“Essa nova tecnologia de proteção do ar para ambientes internos oferece a primeira prevenção contra a transmissão aérea mediada pelo ambiente de Sars-CoV-2. Ela estará na vanguarda das tecnologias disponíveis para combater a pandemia atual e quaisquer futuras ameaças biológicas”, disse, em nota, um dos coautores do estudo, Faisal Cheema. Considerando a capacidade inicial de produção, os pesquisadores sugerem que, em um primeiro momento, o equipamento seja instalado em locais prioritários, onde há risco alto de exposição, como escolas e hospitais.

Carta aberta

No início da semana, uma carta assinada por mais de 200 cientistas pediu à OMS que fizesse um alerta público sobre a propagação aérea do Sars-CoV-2. “Existe um potencial significativo de exposição por inalação a vírus em gotículas respiratórias microscópicas (microgotas) a curtas e médias distâncias (até vários metros, em ambientes fechados e sem ventilação), e defendemos a utilização de medidas preventivas para mitigar esta via aérea de transmissão”, diz o texto.

“Prevenir a transmissão aérea da covid-19 deve ser a próxima frente da batalha contra o vírus”, argumenta Prashant Kumar, pesquisador do Centro Global de Pesquisa em Ar Limpo de Surrey, na Austrália, autor de um estudo sobre a contaminação do ar em ambientes internos. Ele explica que, como muitos vírus, o Sars-CoV-2 tem menos de 100mn de tamanho, mas as gotículas expiradas por pessoas que tossiram ou espirraram contêm água, sais e outros materiais orgânicos, além do próprio micro-organismo. À medida que esse conteúdo evapora, a matéria microscópica se torna pequena e leve o suficiente para permanecer suspensa no ar e, com o tempo, a concentração do vírus aumenta, assim como o risco de infecção. 

Como o ar de ambientes internos é estagnado, o perigo é bem maior. “Devemos transformar essa tragédia global em uma oportunidade de melhorar a preparação para ameaças semelhantes”, sustenta Kumar. “Uma ventilação interna aprimorada é uma etapa importante que pode ser tomada para reduzir o risco de infecção. No entanto, é preciso fazer mais para reconhecer e entender a transmissão aérea do Sars-CoV-2 e de vírus semelhantes, para minimizar o acúmulo de ar carregado de vírus em locais que, normalmente, contêm altas densidades de pessoas”, observa.
 
 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags