Assim que foi levantada a cortina das janelas da sala de execução do Complexo Correcional de Terre Haute, em Indiana, o supremacista branco Daniel Lewis Lee estava amarrado a uma maca com pequenos dutos intravenosos nos dois braços. “Mais tarde, soubemos que ele estivera ali por quase quatro horas, até o último recurso”, contou ao Correio Tim Evans, repórter do jornal The Indianapolis Star que assistiu à primeira execução federal desde 2003. “Ele ergueu a cabeça e olhou para nós. Então, voltou à posição original. Fez algumas declarações desafiadoras, alegando que não era responsável pelos assassinatos e que o tribunal tinha ignorado possíveis evidências de DNA. Suas últimas palavras foram: ‘Vocês estão matando um homem inocente’”, acrescentou o jornalista, que chegou à prisão às 2h15 (3h15 em Brasília). Segundo Evans, depois da administração da injeção letal, Lee seguiu respirando lentamente por alguns minutos. Às 8h07 (hora local), ele foi declarado morto, após condenação pelo assassinato de uma criança de 8 anos e dos pais dela, em 1996, durante assalto, para obter dinheiro para a “República Popular dos Povos Arianos”.
Familiares das vítimas — o traficante de armas William Mueller, sua mulher, Nancy, e a filha do casal, Sarah Powell — assistiram à execução a partir de uma sala contígua, separados por um vidro que impediu o contato visual com a imprensa. Pouco depois das 2h, seis horas antes da execução, a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou uma ordem dos tribunais inferiores que suspendia a administração da injeção letal em Lee, que passou duas décadas no corredor da morte. Por cinco votos a quatro, a máxima instância do Judiciário determinou que “as execuções podem prosseguir conforme o planejado”.
Por meio de um comunicado à imprensa, Ruth Friedman, advogada de Lee, criticou Washington. “É vergonhoso que o governo federal tenha considerado adequado realizar essa execução quando a defesa de Lee não pôde estar presente com ele. É vergonhoso que o governo o tenha feito na calada da noite, enquanto o país dormia, e durante uma pandemia”, declarou. Por sua vez, o procurador geral, Bill Barr, disse que Lee teve o que mereceu. “O povo americano fez a escolha considerada para permitir a pena de morte pelos crimes federais mais flagrantes. Hoje, foi feita a justiça na implementação da sentença pelos crimes horríveis de Lee”, afirmou.
A morte do supremacista branco marca a retomada das execuções federais. Também em Terri Haute, está marcado para hoje o cumprimento da sentença de Wesley Ira Purkey, condenado por estuprar e desmembrar uma garota de 16 anos, em 2003. Na sexta-feira, será a vez da execução de Dustin Lee Honken, pela morte de cinco pessoas, incluindo duas meninas, em Iowa, 16 anos atrás.
A pouco mais de 1 mil quilômetros de Terre Haute, os ativistas Judy Coode e Art Laffin fizeram um protesto diante do prédio do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em Washington. “Nós precisamos de mais educação sobre a futilidade da pena de morte, sobre suas raízes racsitas e sobre como ela tem sido usada contra pessoas de classes pobres”, afirmou Coode ao Correio. Coordenadora da Iniciativa Católica de Não Violência — projeto do movimento pacifista Pax Christi International, da Igreja Católica —, ela explicou que a pena capital é um tema principalmente de âmbito estadual. “Os legisladores estaduais devem votar por sua anulação. O Departamento de Justiça também deve decretar que não perseguirá as pessoas à morte”, acrescentou. Coode começou a se envolver com o assunto em 1987. Durante uma aula de sociologia, assistiu a uma palestra de Helen Prejean, uma freira que escreveu o livro Dead man walking, que deu origem ao filme Os últimos passos de um homem.
Para Ken Roth, diretor executivo da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), o fato de o presidente Donald Trump ter agido contra as tendências de oposição à pena capital é paralelo à sua posição em muitas outras questões. “Seja em relação à brutalidade policial, à discriminação racial no sistema judicial criminal, aos direitos dos solicitantes de asilo e das pessoas LGBTQIA+, ao acesso à assistência médica ou às mudanças climáticas, Trump apela, deliberadamente, para os elementos mais regressivos da sociedade norte-americana, pois os vê como sua base política”, admitiu à reportagem. “É horrível que a vida de um homem tenha sido sacrificada, mas não deveríamos ler os cálculos políticos de Trump — um líder cada vez mais em apuros — como um indicativo das tendências crescentes nos EUA contra a barbárie da pena de morte.”
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“Em todo o mundo e nos Estados Unidos, a tendência é definitivamente de oposição à pena de morte. Menos estados estão utilizando esse recurso porque ele é inerentemente cruel e inevitavelmente discriminatório. Nenhum estado ousa executar todos os assassinos, e o processo de seleção de poucas pessoas que serão executadas é inevitavelmente determinado pela condição econômica
e pela raça do acusado e da vítima.”
Ken Roth, diretor executivo da Human Rights Watch (HRW)
“O atual governo federal tem uma atitude particularmente vingativa e punitiva em relação à justiça. A Igreja Católica, em tempos modernos, sempre se opôs ao uso da pena de morte. O papa Francisco a proibiu expressamente, assim como fizeram João Paulo II e Bento XVI. Para mim, sempre pareceu ser contra-intuitivo matar alguém que matou alguém para mostrar que matar é errado.”
Judy Coode, coordenadora da Iniciativa Católica de Não Violência do Pax Christi International, movimento da Igreja Católica
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