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Estudo confirma a transmissão intrauterina

Alta concentração do Sars-CoV-2 na placenta leva à infecção do feto, segundo cientistas franceses. Caso foi detectado após parto de grávida internada com covid-19. O bebê testou positivo para a doença uma hora depois de nascer e nos 18 dias seguintes

Correio Braziliense
postado em 15/07/2020 04:20
O contágio se deu no fim da gravidez. Segundo os cientistas, é provável que ocorra também em fases anteriores da gestação

 
Um bebê nascido em março, em um hospital francês, põe fim à dúvida quanto à possibilidade de grávidas transmitirem o novo coronavírus aos bebês antes do parto. Após coletar amostras de todos os possíveis reservatórios do Sars-CoV-2 na mãe e no recém-nascido, pesquisadores concluíram que esse tipo de contágio ocorre e pode causar, nas crianças, complicações neurológicas similares à infecção em adultos. “A má notícia é que isso pode acontecer. A boa notícia é que é raro, muito raro”, enfatiza, em comunicado, Daniele De Luca, do Hospital Antoine Beclere de Clamart e principal autor do estudo, divulgado na edição de ontem da revista Nature Communications.

Segundo o cientista, o estudo mostra que a transmissão da mãe para o feto se dá através da placenta e nas últimas semanas de gravidez. A equipe acompanhou uma mulher de 20 anos que foi hospitalizada, no início de março, com febre e tosse intensas. Exames de sangue e a coleta de amostras nasofaríngeas e vaginais confirmaram que a jovem havia sido infectada pelo novo coronavírus. Amostras de sangue, nasofaríngeas e retais coletadas do bebê uma hora após o parto, três e 18 dias depois do nascimento também apresentaram resultados positivos.

A carga mais alta do Sars-CoV-2 foi encontrada na placenta. “O vírus passou de lá através do cordão umbilical até o bebê, onde se desenvolveu”, explica Daniel De Luca. De acordo com o artigo, a placenta apresentava sinais de inflamação aguda e crônica, consistente com o estado inflamatório sistêmico grave desencadeado na mãe em decorrência da infecção pelo Sars-CoV-2. “É importante notar que a carga viral é muito maior no tecido placentário do que no líquido amniótico ou no sangue materno. Isso sugere a presença do vírus nas células placentárias, o que é consistente com os achados de inflamação observados no exame histológico”, enfatizam os autores.

Vinte e quatro horas após o nascimento, o recém-nascido apresentou sintomas graves, incluindo rigidez dos membros e danos ao sistema nervoso cerebral. Análises de neuroimagem indicaram lesão da substância branca, que, segundo os cientistas, pode ter sido causada por inflamação vascular induzida pela presença do Sars-CoV-2. “Nenhuma outra infecção viral ou bacteriana foi encontrada, e todos os outros distúrbios neonatais potencialmente causadores desses sintomas clínicos foram excluídos”, justificam. Os sintomas desapareceram por conta própria, antes que os médicos decidissem qual tratamento adotariam. Mãe e filho se recuperaram da infecção e receberam alta do hospital.

Análise criteriosa

De acordo com os autores, uma infecção congênita neonatal é considerada comprovada quando o vírus é detectado no líquido amniótico coletado antes da ruptura das membranas para o parto ou no sangue colhido no início da vida do bebê. Dessa forma, o caso relatado por eles é o primeiro a “se qualificar totalmente” para a transmissão intrauterina do Sars-CoV-2.

Estudos anteriores sugeriram essa possibilidade de contágio, mas o de agora fornece evidências desse fenômeno, segundo Daniele De Luca. “É necessário analisar o sangue materno, o líquido amniótico, o sangue do recém-nascido, a placenta etc. Reunir todas essas amostras durante uma epidemia com emergências em todas as direções não é simples. É por isso que se tratava de suspeita, mas sem confirmação”, explica.

Um dos estudos, divulgado na última sexta-feira, sinalizava esse tipo de contágio por meio de indícios da infecção pelo Sars-CoV-2 em células da placenta. Trata-se do caso de uma menina que nasceu com 34 semanas de gestação, em um hospital do Texas, nos Estados Unidos. Inicialmente, ela foi tratada na unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal devido à prematuridade e à suspeita de exposição ao Sars-CoV-2.

A bebê parecia inicialmente saudável, com respiração normal e outros sinais vitais. No segundo dia de vida, porém, desenvolveu febre e problemas respiratórios relativamente leves e testou positivo para covid-19. “É improvável que o desconforto respiratório observado tenha sido causado por prematuridade, uma vez que não começou até o segundo dia de vida”, escrevem os autores do estudo, divulgado no The Pediatric Infectious Disease Journal, o jornal oficial da Sociedade Europeia de Doenças Infecciosas Pediátricas. A menina foi tratada com oxigênio suplementar, mas não precisou de ventilação mecânica. Os testes da covid-19 permaneceram positivos por até 14 dias. No 21º dia de vida, ela e a mãe voltaram para casa em boas condições de saúde.

Reforço na prevenção

Analisando o material recolhido, os pesquisadores identificaram sinais de inflamação dos tecidos na placenta e a presença de partículas do novo coronavírus em células fetais. Segundo eles, as constatações sinalizam que a infecção havia ocorrido de forma intrauterina, não durante ou após o nascimento. “Queríamos ter muito cuidado com a interpretação desses dados, mas, agora, é um momento ainda mais importante para as mulheres grávidas se protegerem da covid-19”, alerta, em comunicado, Amanda S. Evans, pesquisadora da University of Texas Southwestern Medical Center e uma das autoras do estudo.

O alerta também é feito por Marian Knight, professora de saúde materna e infantil da Universidade de Oxford. Segundo a especialista, dos milhares de casos de crianças nascidas de mães com covid-19, um pouco mais de 2% apresentaram resultado positivo para o vírus, e quase nenhum dos bebês desenvolveu sintomas graves. De qualquer forma, considerando se tratar de uma infecção causada por vírus novo, não se deve abrir mão de medidas preventivas. “A principal mensagem para as mulheres grávidas continua sendo evitar infecções por meio da lavagem das mãos e do distanciamento social”, diz.

“A má notícia é que isso pode acontecer. A boa notícia é que é raro, muito raro”
Daniele De Luca, pesquisador do Hospital Antoine Beclere de Clamart e principal autor do estudo
 
 

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