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Relação entre EUA e China está cada vez mais frágil; especialistas analisam

Pequim reage à decisão do presidente Donald Trump de sancionar lei contrária ao governo de Hong Kong, convoca embaixador americano para explicações, denuncia interferência e ameaça punir os Estados Unidos. Especialistas veem deterioração diplomática

Correio Braziliense
postado em 16/07/2020 06:00
imagem entrecortada do rosto de dois homensA frase do filósofo chinês Confúcio (551 a.C.-479 a.C.) resume bem o tensionamento diplomático entre a China e os Estados Unidos: “Quando a raiva aumentar, pense nas consequências”. Em resposta à decisão tomada na véspera pelo presidente norte-americano, Donald Trump, de promulgar uma lei responsabilizando o governo de Xi Jinping por ações opressivas contra o povo de Hong Kong, a China ameaçou adotar represálias e convocou o embaixador dos EUA, Terry Branstad, para prestar explicações. Na linguagem diplomática, trata-se de um aceno de forte reprovação do governo.
 
“Eu gostaria de severamente advertir aos Estados Unidos que a China contra-atacará resolutamente quaisquer maus-tratos e injustiça impostos à China pelos EUA. Sua tentativa de bloquear o desenvolvimento da China está fadada ao fracasso”, declarou o vice-ministro das Relações Exteriores chinês, Zheng Zeguang, citado pela agência estatal Xinhua. “Instamos o lado americano a parar com suas calúnias e provocações, e a não seguir no caminho errado.” Em nota à imprensa, a chancelaria denunciou “uma interferência flagrante nos assuntos de Hong Kong e nos assuntos internos da China”. “Para proteger seus interesses legítimos, a China aportará a resposta necessária e imporá sanções a pessoas e entidades americanas pertinentes”, afirma.
 
As medidas de Washington foram uma resposta à aprovação da nova Lei de Segurança Nacional de Hong Kong — segundo ativistas pró-democracia, a legislação decreta o fim da fórmula “um país, dois sistemas” e da semiautonomia do território. Na terça-feira, ao firmar o decreto, o magnata republicano alertou que a liberdade e os direitos da população da antiga colônia britânica foram expurgados. Também anunciou o fim do tratamento econômico preferencial a Hong Kong. Segundo Trump, a metrópole financeira asiática será tratada da mesma forma que a China continental: “sem privilégios especiais, sem tratamento econômico especial e sem exportação de tecnologias sensíveis”.

Na segunda-feira, uma declaração do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, havia provocado mal-estar entre Washington e Pequim. O chefe da diplomacia dos EUA disse que o seu país considera que “as reivindicações de Pequim de recursos em alto mar e ao longo de grande parte do Mar da China Meridional são completamente ilegais”. O Mar da China Meridional, também conhecido como Mar do Sul da China, é uma região em disputa por cinco países.

ilustração de dados

Vácuo

 
Rush Doshi, diretor da Iniciativa de Estratégia Chinesa da Brookings Institution (em Washington), afirmou ao Correio que as relações entre os Estados Unidos e a China são as piores desde que ambos países ensaiaram a normalização diplomática. “Um fator-chave está na redução do vácuo de poder entre as duas nações, enquanto a lacuna ideológica se expandiu”, explicou. “As ações da China em Hong Kong lembraram aos norte-americanos de todos os espectros políticos o quão distante o governo de Pequim encontra-se dos valores liberais. “As tensões sobre o comércio e a tecnologia estão cada vez mais arraigados na consciência da opinião pública”, disse Doshi.
 
Por sua vez, Eugene Perry Link — professor de estudos sobre a China da Universidade da Califórnia (Ucla) — considera que as relações sino-americanas em âmbito de governo estão em baixa. “Ainda piores do que depois do massacre de Tiananmen (Praça da Paz Celestial), em 1989, quando as relações foram oficialmente congeladas. À época, o presidente George H. Bush enviou emissários secretos a Pequim para manter bons contatos com o líder chinês, Deng Xiaoping”, afirmou o especialista, que esteve envolvido na tradução dos “Arquivos de Tiananmen”, documentos secretos produzidos pelo governo chinês após a matança.
 
Para Link, a deterioração das relações entre Washington e Pequim não devem ser creditadas apenas a Donald Trump e a Xi Jinping. “Há três décadas, empresários americanos pensavam que poderiam fazer muito dinheiro na China, usando mão-de-obra barata e entrando na economia chinesa. Mais tarde, a força de trabalho escasseou e a manufatura migrou para Vietnã, Indonésia e México. Tornou-se difícil a insersão  no mecado chinês. As empresas da China, então, começaram a roubar tecnologia, e os executivos dos EUA deixaram de pressionar a Casa Branca para apaziguar o Partido Comunista Chinês”, disse à reportagem.
 

» Eu acho... 

 
“A ameaça de sanções por parte da China é uma maneira de responder de forma tête-à-tête. A dificuldade que Pequim enfrenta está no fato de não ser um centro financeiro.” Rush Doshi, diretor da Iniciativa de Estratégia Chinesa da Brookings Institution (em Washington).
 
“O Partido Comunista Chinês (PCC) ameaçará uma retaliação. Ninguém gosta de ver problemas e conflitos. Mas creio ser bom que o povo americano tenha uma ideia mais realista do que é o PCC. A ideia de a China tornar-se  democrática sempre foi ingênua.” Eugene Perry Link, professor de estudos sobre a China da Universidade da Califórnia (Ucla).

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