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Heparina pode impedir a replicação do vírus

Correio Braziliense
postado em 16/07/2020 04:10
O Sars-CoV-2 (roxo) usa uma proteína presente em células humanas (verde) para infectá-las: remédio freia a ação

Desde que cientistas descobriram que a principal ferramenta de entrada do Sars-CoV-2 nas células humanas é uma proteína chamada spike, esse tem sido o alvo de pesquisadores que buscam impedir o funcionamento do maquinário viral. Um estudo publicado na revista Antiviral Research sugere que um medicamento comum, a heparina, pode impedir a replicação do coronavírus em pessoas que testaram positivo, mas ainda não apresentaram os sintomas. A ideia é neutralizá-lo antes de o patógeno provocar estragos no organismo e também reduzir o potencial de contágio.

O estudo soma-se a trabalhos anteriores que apontam a heparina — um anticoagulante aprovado por agências regulatórias em todo o mundo — um importante protagonista no combate à covid-19. Em maio, uma equipe brasileira da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com cientistas italianos, demonstrou que o medicamento reduziu em 70% a infecção por Sars-CoV-2. O teste foi feito em células do macaco-verde africano (Cercopithecus aethiops). Também no Brasil, a pneumologista Elnara Negri, do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, conseguiu tratar casos graves de covid-19 com o anticoagulante, reduzindo o tempo de internação e de intubação dos pacientes.

A pesquisa atual, liderada pelo Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos, foi realizada com células de mamíferos e, posteriormente, modelagem computacional. Na primeira fase, os cientistas testaram a toxicidade e a eficácia do medicamento contra o Sars-CoV-2. Na segunda, um algoritmo detectou qual tipo de heparina trabalha com maior eficiência na neutralização do vírus.

Um dos principais especialistas mundiais em heparina, Robert Linhardt, professor de biologia química e principal autor do estudo, explica que essa substância — que existe nas versões anticoagulante e não anticoagulante — reconhece a proteína spike, que fica na superfície do vírus e tem formato de espinho, e se agarra a ela. Como o Sars-CoV-2 depende dessa estrutura para entrar na célula e começar a se reproduzir, infectando os tecidos, o medicamento tem potencial de evitar esse processo. Assim, mesmo que o patógeno tenha entrado no organismo, ele não consegue atingir muitas células e, como vírus precisam de um hospedeiro para sobreviver, acabam morrendo.

Spray nasal

A ideia de Linhardt é que a heparina seja usada em forma de spray nasal ou nebulizador em pessoas que, detectadas com o Sars-CoV-2, não chegaram, ainda, a desenvolver os sintomas. De acordo com ele, a equipe do Rensselaer já testou estratégias semelhantes com outros vírus, como dengue, zika e influenza A. Porém, é importante destacar que, caso se confirme que a abordagem seja promissora e segura para seres humanos, a forma da heparina a ser usada não é a da versão anticoagulante. Esse medicamento, inclusive, não é vendido em farmácia; apenas utilizado em ambiente hospitalar.

Além da indicação precoce, quando seria utilizada para impedir a replicação do vírus, freando o processo infeccioso, Linhardt acredita que a heparina tem potencial antiviral mais extenso. “O que mais precisamos agora é de uma vacina, mas, enquanto ela não vem, sabemos que há muitas outras formas de combater um vírus. É como no caso do HIV. Não existe vacina, mas a combinação de determinadas terapias consegue controlar a doença, impedindo a replicação viral”, compara.

No estudo, os cientistas descobriram que a heparina se une ao receptor ACE2 — que permite a ligação da spike à célula hospedeira — de forma extremamente eficaz. “É centenas de vezes mais forte (a ligação) que a ação de um antígeno natural. Uma vez associada a ele, ela não se desprende mais”, explica Jonathan Dordick, professor de engenharia química e biológica de Rensselaer e coautor do artigo. “Esse não é o único vírus que vamos enfrentar em uma pandemia. Realmente, não temos ótimos antivirais, mas a heparina é um caminho a seguir”.

Em 2019, a equipe liderada por Linhardt e Dordick desenvolveu uma estratégia semelhante que conseguiu neutralizar o vírus da dengue e outros patógenos transmitidos por mosquitos. Anteriormente, eles haviam reduzido a mortalidade por influenza A em camundongos em 100%, utilizando uma ferramenta semelhante. (PO)

70%
É a redução na infecção pelo novo coronavírus quando se usa o medicamento, segundo pesquisa da Unifesp feita em células de macacos e  divulgada em maio
 
 

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