Dados preliminares de um estudo global sobre a disposição da população em adotar medidas preventivas contra a covid-19 indicam que, ao menos nos Estados Unidos, os moradores não parecem querer colaborar, ao mesmo tempo em que a economia reabre e aumentam os casos da doença. A pesquisa, conduzida pela Penn State College of Medicine, consistiu em cinco perguntas em um questionário on-line em 23 línguas, incluindo português, sobre a intenção de adotar as seguintes medidas: lavar as mãos frequentemente; manter distanciamento/isolamento social mesmo sem sintomas; evitar tocar nos olhos, nariz e boca; tossir ou espirrar colocando o cotovelo na frente; e ficar em casa se não se sentir bem.
Por enquanto, os dados disponíveis referem-se a 5 mil adultos norte-americanos, mas a intenção dos cientistas é divulgar, posteriormente, as respostas globais. Os entrevistados demonstraram diferenças substanciais e significativas na intenção de cumprir as recomendações, diz Robert Lennon, principal autor. A equipe documentou uma intenção particularmente baixa de obedecer à norma que, segundo o pesquisador, é a mais importante: evitar tocar seu rosto. Menos da metade dos participantes pretende cumprir essa medida.
Lennon adverte que as ações de um único indivíduo podem desfazer o trabalho da maioria das pessoas que seguem cuidadosamente as recomendações. Por exemplo, um indivíduo que sai de casa quando apresenta sintomas da covid-19 pode colocar outras pessoas em risco de exposição. “Nossos dados indicam que existe uma falta pública de intenção de cumprir determinadas recomendações em várias cidades norte-americanas. Como resultado, essas áreas podem estar em risco aumentado de crescimento dos casos de covid-19, à medida que as restrições de quarentena diminuem”, conclui.
Três perguntas para
Vladimir Melo, doutor em psicologia pela Universidade Católica de Brasília
No início da pandemia, quando os casos eram bem menores, as pessoas respeitavam muito mais as regras de isolamento. O que pode explicar esse paradoxo?
As pessoas conseguiram tolerar bem o confinamento porque houve uma previsão de que o pico do contágio se daria em aproximadamente dois meses. À medida que essa previsão ia sendo adiada e as incertezas aumentavam, teve início um processo de fadiga emocional, em que se perdeu a perspectiva de saída dessa situação. Isso está ocorrendo em todo o mundo, em graus distintos. A diferença é que os países que estabeleceram o lockdown tiveram uma queda na curva antes que a população alcançasse essa fadiga. A fase de alerta do estresse tem um limite. Depois disso, o ser humano vai assumindo um risco maior como parte do processo de adaptação.
As notícias sobre avanços no esenvolvimento de uma vacina podem causar a falsa sensação de que estamos protegidos?
Sim, a necessidade de uma solução imediata na forma de tratamento ou vacina tem sido construída como uma narrativa para aliviar a tensão e retomar as atividades cotidianas. Ainda é cedo para saber quando a situação estará sob controle. Contudo, a sociedade anseia por um horizonte de segurança, e qualquer notícia nesse sentido é interpretada como um alívio imediato para o esgotamento mental. Apesar de se saber que a vacina não estará disponível em breve, é importante sinalizar que estamos mais próximos de superar essa situação. Infelizmente, isso tem sido usado por muitos como pretexto para relaxar o isolamento social e o uso da máscara.
O medo do desemprego e as ificuldades econômicas ecorrentes das regras de
isolamento podem fazer com que, inconscientemente, as pessoas minimizem o risco da covid-19?
Sim, as dificuldades econômicas e o medo do desemprego têm feito as pessoas, inclusive, trabalharem mais e aceitarem situações de abuso nas relações de trabalho, mas existem vários outros fatores que contribuem para que as pessoas se arrisquem na rua. Outro motivo importante são as dificuldades de convivência nas famílias e a necessidade de retomar uma rotina. Embora ainda não haja dados amplamente divulgados, os profissionais de saúde já relatam um recrudescimento dos transtornos de ansiedade e humor, que afetam significativamente a alimentação e o sono das pessoas. (PO)
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