Enquanto países como o Brasil relaxam as restrições de mobilidade social na pandemia, alguns locais que já haviam retomado a vida normal voltam a instituir quarentena — caso de Barcelona, que, na sexta-feira, decretou confinamento por 15 dias. Em outras cidades catalãs e em regiões da Índia, a explosão de novos casos exigiu a adoção de medidas mais severas, com o fechamento total de atividades e serviços, o polêmico lockdown.
Apesar de desastroso para as economias, o lockdown salvou milhares de vidas, segundo estudos realizados em países que adotaram essa prática. Uma pesquisa do Imperial College de Londres publicada na revista Nature estimou que, até 8 de maio, quando o fechamento total foi levantado na Europa, 3,2 milhões de vidas foram poupadas em 11 países do continente.
“Sem intervenções como bloqueios e fechamentos das escolas, poderia ter havido muito mais mortes por covid-19”, diz o principal autor do estudo, Samir Bahtt, do Centro Global de Análises de Doenças Infecciosas. “Em todos os países que pesquisamos, a taxa de transmissão passou de alta para controlada com as medidas restritivas. Os governantes devem considerar cuidadosamente as medidas contínuas necessárias para manter a transmissão do Sars-CoV-2 controlada”, diz.
Um outro artigo, também divulgado na Nature, encontrou resultados semelhantes. A equipe, chefiada por Salmon Hsiang, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, analisou o efeito de 1.717 políticas restritivas, incluindo o lockdown, adotadas na China, na Coreia do Sul, na Itália, no Irã, na França e nos Estados Unidos, de janeiro a 6 de abril. Os cálculos indicaram que, se nenhuma ação fosse implementada, haveria um aumento diário de 38% no crescimento exponencial das infecções. “Nós estimamos que, nesses seis países, as intervenções preveniram ou adiaram cerca de 62 milhões de casos confirmados”, diz Hsiang.
A equipe concluiu que quarentena, fechamento do comércio não essencial e lockdown são as medidas que produziram os maiores benefícios. Já as restrições e os banimentos de viagens tiveram resultados heterogêneos — na França e no Irã, evitaram um grande número de contágios, enquanto que, nos Estados Unidos, parecem não ter influenciado nas taxas. O fechamento das escolas não produziu efeitos, segundo a análise, mas Hsiang destaca que mais pesquisas devem ser feitas para direcionar as políticas educacionais.
Com o relaxamento das medidas em praticamente todos os países, Hsiang espera que os casos voltem a subir. E, embora o estudo tenha incluído apenas seis nações, ele diz que as lições podem ser incorporadas a todo o mundo. “Nossas análises das políticas existentes indicam que mesmo pequenos atrasos na adoção de medidas provavelmente produzirão resultados dramáticos na saúde”, diz. No Brasil, 11 estados adotaram algum tipo de política de lockdown, mas ainda não há estudos analíticos estimando o número de casos e de óbitos evitados por essas medidas.
Possíveis ajustes
Nem todas as pesquisas, porém, encontraram evidências de que o lockdown estrito está diretamente associado à redução da mortalidade. Um estudo divulgado na plataforma on-line de pré-publicações científicas medrxiv.org avaliou o impacto dessa e de outras políticas restritivas em todos os países com casos confirmados de covid-19 desde 29 de abril. Para isso, os autores, do Hospital Universitário West Middlesex, na Inglaterra, utilizaram banco de dados mantidos por instituições como a Universidade de Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
As análises demonstraram que medidas como fechamento de escolas, teletrabalho, restrições de viagens e campanhas de informação adotadas precocemente reduziram, cada uma com um percentual específico, a mortalidade por covid-19. Porém, segundo os autores, as políticas mais rigorosas de lockdown — em regiões como o norte da Itália, por exemplo, só se podia sair para ir ao mercado e à farmácia e para passear com animais — não interferiram nesse resultado. O artigo conclui que, como o relaxamento das restrições provavelmente aumentará a transmissão da doença, os formuladores de políticas públicas devem, assim que os casos voltarem a subir, investir na adoção das práticas que deram certo.
Quando parte da população
Uma das decisões mais polêmicas durante a pandemia foi a da Suécia, que decidiu não adotar medidas de restrição nem de bloqueios. Um estudo da Universidade de Uppsala constatou que essa política resultou em mais mortes e maior demanda hospitalar do que em países europeus com abordagens rigorosas de controle. Ao mesmo tempo, a pesquisa mostra que houve menos internações de idosos em unidades de terapia intensiva (UTIs) do que o esperado e um número inferior de infecções do que se imaginou — esse último resultado é atribuído, pelos autores, às medidas de proteção tomadas individualmente pela população.
“Níveis mais altos de ações individuais controlaram a infecção. Uma completa falta de ação individual provavelmente levaria ao contágio descontrolado, o que, felizmente, não aconteceu”, afirma, em nota, Peter Kasson, principal autor do estudo. De acordo com ele, as restrições brandas do governo da Suécia, associadas a uma população disposta a se autoisolar voluntariamente, produziram resultados bastante semelhantes aos observados em países que adotaram medidas mais rigorosas.
Por outro lado, se não houve explosão de infecções, a taxa de mortalidade per capita por covid-19 da Suécia foi de 35 por 100 mil em 15 de maio. Enquanto isso, a Dinamarca registrou 9,3; a Finlândia, 5,2; e a Noruega, 4,7. Todos os três vizinhos adotaram políticas mais rígidas. Para Kasson, é preciso investigar mais o impacto das ações do governo na mortalidade. “Estudar os efeitos dessa estratégia, quais elementos são essenciais para reduzir a mortalidade e a necessidade de assistência à saúde, e como ela pode se comparar a outras abordagens é, portanto, de importância crítica para a compreensão global das respostas a pandemias”. (PO)
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