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Tripla promessa de proteção contra a covid

Artigos científicos anunciam os resultados de três vacinas diferentes para neutralizar o Sars-CoV-2, incluindo a que está sendo testada no Brasil. Pesquisadores constatam que as substâncias estimulam o sistema imunológico, sem provocar efeitos colaterais graves

Correio Braziliense
postado em 21/07/2020 04:06
Cientista britânico trabalha na vacina: embora sem confirmação oficial, especula-se que a imunização possa estar pronta em setembro


Apenas cinco meses depois de a covid-19 ser classificada como pandemia, três vacinas — uma britânica, uma chinesa e a outra alemã — passaram nos testes de segurança e eficácia, e agora falta apenas uma etapa para que estejam disponíveis. O próximo passo é imunizar um grande grupo de pessoas para confirmar os resultados. No caso da substância britânica, da Universidade de Oxford, essa fase já está em curso no Brasil, no Reino Unido e na África do Sul, com 30 mil voluntários. Atualmente, há 250 substâncias do tipo sendo pesquisadas no mundo todo, sendo que 17 estão na fase clínica.

Com diferentes mecanismos de atuação, as substâncias causaram poucos efeitos colaterais e, segundo os cientistas que as desenvolveram, desencadearam fortes respostas imunológicas nos voluntários. Ainda é cedo, porém, para saber quantas doses serão necessárias para produzir os resultados, por quanto tempo elas oferecem proteção e se, de fato, evitarão que uma pessoa imunizada não pegue a doença em contato com o vírus. Essas respostas serão dadas na fase 3 dos estudos.

Das três, a vacina de Oxford é, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a que está em estágio mais avançado. Embora haja especulações de que ela poderá estar pronta em setembro, a informação não foi confirmada nem pela Universidade de Oxford, nem pela AstraZeneca, laboratório que desenvolve a substância com a universidade.

Cautela

Ontem, o diretor de emergências da OMS, Michael Ryan, pediu cautela, ao comentar os resultados do estudo sobre eficácia e segurança da substância, publicados na revista The Lancet. “É um resultado positivo, mas há um longo caminho a percorrer, precisamos avançar nos testes de larga escala, no mundo real”, destacou. Ryan, porém, parabenizou os cientistas e disse que se tratava de “bons resultados”.

Assim como no estudo chinês e no alemão, a fase 2 do estudo britânico foi realizada simultaneamente com a fase 1, prática permitida pelas agências regulatórias frente à necessidade de se desenvolver rapidamente uma ação eficaz contra a covid-19. Entraram na pesquisa 1.077 adultos saudáveis, com idades de 18 a 55 anos.
Uma dose única da vacina aumentou em quatro vezes os anticorpos que atuam em resposta à proteína spike do Sars-CoV-2 (a principal peça na maquinaria do vírus) em 95% dos participantes um mês depois da injeção. Em um subgrupo de 10 voluntários, que receberam duas doses no intervalo de um mês, 100% apresentaram índices de anticorpos neutralizantes semelhantes aos de pacientes recuperados da covid-19.

Além de incentivar a produção dos anticorpos, a substância de Oxford atua também induzindo a ação das células T — células “assassinas”, que identificam e eliminam o vírus — 14 dias depois da imunização. “Nós temos dois tipos de imunidade. Um é bem conhecido, quando os anticorpos se ligam ao vírus e tentam tirá-lo de lá. O outro é o braço celular, onde algumas células chamadas T podem reconhecer uma célula infectada pelo vírus e matar ambos”, explica Adrian Hill, pesquisador que atua no desenvolvimento da vacina. A vacina de Oxford age nessas duas frentes.

Reações

Os efeitos colaterais mais comuns foram dor de cabeça e fadiga. Alguns participantes também relataram dores musculares, calafrios e febres, mas, segundo o estudo, um paracetamol foi capaz de resolver as queixas. Sara Gilbert, pesquisadora de Oxford coautora do artigo publicado na The Lancet diz que, embora seja preciso conhecer mais o vírus — não se sabe, por exemplo, a força da resposta imune necessária para proteger contra o Sars-CoV-2 —, os resultados são promissores.

“Uma vacina bem-sucedida pode ser usada para prevenir a infecção, a doença e as mortes na população mundial”, afirma. De acordo com Gilbert, em um primeiro momento, trabalhadores de hospitais e idosos devem ser prioridade para a imunização. Em nota,o neurocientista Mene Pangalos, vice-presidente executivo da área de pesquisa e desenvolvimento da AstraZeneca, afirmou que os planos da companhia são de produzir a vacina em larga escala, como “acesso equitativo” pelo mundo.
Também na The Lancet, um grupo de pesquisadores chineses relatou sucesso na fase 2 do estudo de outra candidata a vacina. Na primeira etapa, foram testados 108 adultos. Agora, mais 508 pessoas de 18 a 55 anos se prontificaram a receber a dose. Divididos em dois grupos (baixa e alta dosagens), os voluntários foram monitorados e tiveram amostras de sangue coletadas 14 e 28 dias após a imunização. Noventa e cinco por cento dos que receberam doses mais altas e 91% do outro braço apresentaram respostas imunes depois de um mês, tanto com a produção de anticorpos quanto o aumento no número de células T.

As reações adversas mais comuns foram febre, fadiga e dor no lugar da injeção, mas os cientistas notam que esses efeitos foram fracos a moderados. “O estudo de fase 2 adiciona evidências sobre a segurança e a imunogenicidade em uma população maior que a testada na fase 1. Esse é um passo importante e os estudos de fase 3 já estão sendo conduzidos”, disse, em nota, Feng-Cai Zhu, pesquisador do Centro de Controle de Doenças e Prevenção da Província de Jiangsu.

Os autores, porém, destacam algumas limitações da pesquisa. Primeiro, os participantes foram acompanhados apenas até o dia 28. Por essa razão, não se sabe a durabilidade da resposta imunológica. Além disso, o estudo foi conduzido em Wuhan, na China, onde surgiu a doença. Se a eficácia será igual em outras populações ainda é uma incógnita. Os cientistas esperam responder a essa questão na próxima etapa.

» Resposta imune

Das 17 vacinas que estão sendo testadas em humanos, três tiveram resultados da fase 2 divulgados ontem:

» Vacina do Reino Unido: utiliza um vírus que, em chimpanzés, causa gripe, mas é inofensivo para humanos. Em laboratório, os cientistas modificaram o patógeno para ele ficar mais semelhante ao Sars-CoV-2. O vírus geneticamente alterado recebeu instruções genéticas para reconhecer a proteína spike do causador da covid-19. Essa estrutura garante a entrada do micro-organismo nas células, onde ele 
passa a se replicar.

» Vacina da China: utiliza o adenovírus, um vírus comum que, em humanos, causa gripe. Ele foi atenuado em laboratório para não causar a doença. O adenovírus envia o material genético responsável por codificar a proteína spike. Assim, o sistema imunológico desenvolve anticorpos que lutam contra o Sars-CoV-2 em contato com o patógeno.

» Vacina da Alemanha: é produzida com RNA mensageiro, o material genético do Sars-CoV-2. A substância leva instruções para a produção da proteína spike, mas, como o mRNA é manipulado geneticamente, ele não torna o receptor doente, apenas estimula a produção de anticorpos.
 
 
 
 

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