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Derrotas sucessivas

Senado e Câmara dos Deputados impõem duplo revés ao presidente Sebastián Piñera e aprovam projeto de lei que autoriza saques de até 10% dos fundos de pensão privados, a fim de mitigar efeitos da pandemia. Analistas alertam para ruptura da coalizão do governo

Correio Braziliense
postado em 24/07/2020 04:15
Senadores sinalizam positivamente, enquanto votam a favor da retirada dos fundos (E), na noite de quarta-feira; ontem, deputados comemoraram a aprovação com a bandeira nacional (D)


Com uma taxa de popularidade de apenas 17% e uma rejeição de 71%, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, acaba de sofrer duas derrotas políticas consecutivas e de consequências imprevisíveis. Com 116 votos a favor, 28 contra e 5 abstenções, a Câmara dos Deputados chilena aprovou, ontem, um projeto de lei histórico que possibilitará a 10,9 milhões de chilenos realizarem saques de até 10% dos fundos de pensão privados — uma forma de auxílio para enfrentar as consequências econômicas da pandemia do novo coronavírus. Na noite de quarta-feira, o Senado tinha avalizado o texto por 29 votos a favor, 13 contra e uma abstenção. Agora, o projeto de lei deve ser encaminhado ao Palácio de La Moneda para sanção presidencial em um prazo de até 30 dias.

Ontem à noite,o governo do Chile divulgou um comunicado no qual anuncia que Piñera desistiu de tentar uma revisão do texto no Tribunal Constitucional, sob pena de novos protestos nas ruas, e sancionará o projeto de lei hoje. “A decisão do presidente (…) obedece à sua intenção e vontade — dada a difícil situação econômica e social de muitas famílias e compatriotas — de facilitar e agilizar o saque destes fundos”, diz o texto. “O governo do Chile reitera que está firmemente comprometido em avançar com uma profunda reforma da previdência, que permita mudar o sistema, com o propósito de melhoras as pensões de todos os cidadãos.”

A legislação permitirá aos membros dos Administradores de Fundos de Pensões (AFP), herança da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), sacaem até 4,3 milhões de pesos (cerca de R$ 28,3 mil) e um mínimo de 1 milhão de pesos (R$ 6,5 mil) de seus  fundos de pensão. Os chilenos que economizaram menos do que o mínimo poderão retirar o fundo integral.

Veto

O outro revés de Piñera ocorreu na tarde de ontem, quando a Câmara rechaçou o veto do Executivo a uma lei que suspende o corte de serviços básicos devido ao não pagamento, durante a pandemia. Piñera tratou de minimizar o impacto do golpe desferido pelo Legislativo no tema dos fundos de pensão privados. “Não sinto que alguém experimenta uma derrota quando luta com convicção e com força pelo que acredita ser o melhor para o Chile e os chilenos”, declarou. “Vivemos em democracia. Nem sempre o que alguém acredita ser melhor para o país é o que o Congresso aprova.” O chefe de Estado chileno foi acusado de demora para liberar ajuda em meio à crise causada pela pandemia. A oposição, então, decidiu promover a regra, submetida a três trâmites no Congresso — dois na Câmara e um no Senado.

“A aprovação da lei é, efetivamente, uma derrota política para Piñera. O presidente tinha apresentado uma série de medidas alternativas para que não precisasse recorrer aos fundos de pensão”, explicou ao Correio Miguel Ángel López, professor de estudos internacionais da Universidad de Chile. Segundo ele, as coalizões Nova Maioria (centro-esquerda) e Frente Ampla (esquerda) defendiam o fim do sistema de pensões privadas e a criação de um sistema estatal. “Piñera ofereceu um crédito muito bom, com taxa zero de juros, à maior parte dos pensionistas, para que evitassem sacar a o dinheiro. A oposição teve essa ideia de retirada de até 10% do fundo de pensões.”

Ainda de acordo com López, Piñera tende a perder capacidade de liderança e uma ruptura na coalizão governista no Legislativo. “As políticas de saúde implementadas pelo presidente tinham recuperado um pouco a credibilidade dele. As últimas derrotas no Congresso erigiram desconfiança em seu governo. Alguns ministros sugeriram alternativas que não funcionaram”, explicou. “Mas a pior consequência será a divisão da coalizão que apoia Piñera. Vários senadores e deputados do partido conservador Renovação Nacional e da União Democrata Independente do Chile apoiaram a proposta da oposição ou se colocaram contrários aos planos do presidente. Isso cria um conflito muito grande dentro dos partidos que apoiam o governo. Em resumo, haverá um enfraquecimento contundente das facções que formam parte da coalizão governamental.”

Marcelo Mella Polanco, cientista político da Universidad de Santiago de Chile, admitiu ao Correio que trata-se de “uma derrota estratégica e ideológica muito forte para um governo debilitado frente a opinião pública e golpeado novamente, desde março deste  ano, por reiterados erros ante a expansão do novo coronavirus”.


“Não sinto que alguém experimenta uma derrota quando luta com convicção e com força pelo que acredita ser o melhor para o Chile e os chilenos”
Sebastián Piñera, presidente do Chile



Eu acho....

“Piñera sofreu uma derrota, pois sua proposta de não tocar no fundo de pensões não foi aceita. Os chilenos estão muito endividados, e Piñera não queria que eles contraíssem mais dívidas, apesar de o crédito oferecido pelo governo ter sido bom. É um claro revés para o presidente. A maior parte da população diz que usará o dinheiro para quitar dívidas.”
Miguel Ángel López, professor de estudos internacionais da 
Universidad de Chile


“Foi uma dupla derrota para Piñera. Em primeiro lugar, significa o fracasso total da estratégia do governo de manter unida a coalizão no Congresso. Em segundo lugar, o que ocorreu hoje (ontem) no Legislativo representa uma guinada na reforma do modelo de acumulação capitalista imposto durante a ditadura de Pinochet e sem grandes reformas desde 1990.”
Marcelo Mella Polanco, cientista político e professor da Universidad de Santiago de Chile
 
 

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