Correio Braziliense
postado em 25/07/2020 04:14
Guerra fria com roteiro de cinema
Não é de hoje que as disputas entre potências inspiram a ficção, e vice-versa, da mesma maneira como os protagonistas do mundo real encarnam o script traçado para personagens de filmes e romances. E os sucessivos roteiristas da já cinquentenária saga do agente britânico 007 vêm demonstrando um talento notável para retratar ou mesmo antever lances que parecem saltar da tela grande para o noticiário internacional.
Foi inevitável associar a uma aventura recente de James Bond a última escaramuça entre a Rússia de Vladimir Putin e os adversários de Moscou em quatro décadas de Guerra Fria — os EUA e o Reino Unido. A acusação de que Moscou teria testado uma arma disparada de um satélite espacial evoca a trama de GoldenEye, filme de 1995.
O império contra-ataca
No ponto alto da corrida armamentista entre os EUA e a finada União Soviética, na virada dos anos 1970/80, outra saga de sucesso longevo no cinema municiou a queda de braço entre os dois arquirrivais. Ronald Reagan, então no leme da Casa Branca, lançou um programa trilionário destinado a colocar em órbita um escudo antimísseis constituído de satélites equipados com canhões de laser.
O projeto ganhou o “nome fantasia” de Guerra nas Estrelas, sob os protestos do produtor/diretor George Lucas. Também pela reação internacional, mas principalmente pelo custo astronômico (sem trocadilho), o programa foi logo arquivado.
Rápido no gatilho
Reagan, veterano de Hollywood que fez mais sucesso na política do que no faroeste, tinha um talento de comunicador reconhecido até pelos opositores. Em um dos muitos lances nos quais esbanjou presença de espírito, tomou para si a simpatia universal pelos cavaleiros Jedi ao proclamar, em público: “A União Soviética é o império do mal”.
Fora do tatame
Analogias à parte, as entrelinhas do novo foco de atrito entre Putin e o Ocidente se projeta como desdobramento de um perigoso passo recente na rivalidade. Washington e Moscou rasgaram e sepultaram uma das peças-chaves para o desmanche da velha Guerra Fria. Pouco antes de sair de cena, com o desmanche da URSS, seu último presidente, Mikhail Gorbachov, assinou os tratados Start, que previam a redução — passo inédito dos arsenais nucleares das superpotências.
Sem eles, deixam de existir normas para o terreno mais crítico e perigoso da corrida armamentista. A analogia pertinente passa a ser com a arte cavalheiresca do judô — que significa “caminho suave”. Lá, uma luta é interrompida quando os judocas saem da área demarcada no tatame: fora dela, as regras deixam de valer, e o esporte vira briga de rua.
Uma vez adversário...
A denúncia anglo-americana sobre as supostas aventuras militares de Putin no espaço se soma a uma sequência de escaramuças que revivem o argumento da literatura e do cinema de espionagem. É o caso da alegada invasão de hackers russos aos sistemas de dados de instituições de diferentes países que desenvolvem vacinas para a covid-19. A grita dos governos ocidentais antecedeu em poucos dias o anúncio de que a Rússia iniciaria a produção industrial de uma fórmula bem-sucedida.
Está ainda fresca na memória a polêmica em torno da interferência do Kremlin para ajudar a eleição de Donald Trump, em 2016. A oposição democrata volta a apontar movimentos semelhantes na antevéspera da campanha para a disputa presidencial de novembro.
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