Correio Braziliense
postado em 26/07/2020 04:10
As mais recentes pesquisas de opinião pública apontam para uma mudança de inquilino na Casa Branca. A exatamente 100 dias das eleições de 3 de novembro, as chances de Donald Trump de obter um novo mandato parecem improváveis. O fracasso em debelar a pandemia do novo coronavírus — que deixou mais de 145 mil mortos e infectou cerca de 4 milhões de norte-americanos —, a incapacidade de provar liderança na mitigação da crise econômica, a indisposição com os governadores e a insensibilidade ao lidar com os protestos antirraciais podem ajudar a selar o destino do magnata republicano. Em entrevista ao Correio, especialistas de universidades renomadas dos Estados Unidos traçaram um prognóstico sobre como Trump precisa se comportar para reverter um possível fiasco nas urnas.
Steven Levitsky, professor de governo da Universidade de Harvard e especialista em autoritarismo e democratização, aposta que os próximos 100 dias serão “muito turbulentos”. Ele lembra que Trump e os republicanos não têm estratégia de campanha. “O presidente pretendia disputar a eleição com uma economia sólida. Agora, está desorientado. Joe Biden (democrata e ex-vice de Barack Obama) basicamente permitirá que Trump perca para si próprio”, ironizou. De acordo com o estudioso, por ser um político branco moderado e mais velho (tem 77 anos, enquanto Trump tem 74), Biden não revela-se como uma figura polarizadora. “Ele se sai muito bem entre os independentes. Precisa apenas evitar ser sugado para uma disputa de polarização, e permanecer saudável”, afirma. Nos últimos quatro meses, Biden fez raras aparições públicas e manteve o distanciamento social, em meio ao risco de ser infectado pela covid-19.
Para Alexander Keyssar, professor de história e de política social também da Universidade de Harvard, ainda que a vitória de Biden pareça provável, o cenário pode mudar. “A coisa mais importante que Trump tem a fazer é obter o real controle do novo coronavírus e fornecer liderança, a fim de pôr fim ao avanço da pandemia nos Estados Unidos. Duvido que ele faça isso”, disse. Keyssar também acredita que o magnata republicano não poupará esforços para estimular a economia. No entanto, a péssima performance das finanças norte-americanas deve inviabilizar o sucesso. “Biden poderia cometer erros que o levariam a perder apoio, mas também não vejo nada que Trump faça para aumentar o próprio eleitorado.”
Sem muita margem para poder de reação, Keyssar suspeita que o presidente dos EUA tentará fomentar medo em relação ao adversário. “Biden, por sua vez, seguirá na perseguição de uma estratégia discreta e sóbrio, tentando controlar os eventos remotamente”, avaliou.
Pandemia
Na última quinta-feira, horas depois de divulgar uma gravação em que recebe o respaldo de Obama, Biden publicou um vídeo no Twitter no qual tentou vincular Trump à tragédia da covid-19. “A cada dia, o número de mortos pela pandemia aumenta. A cada dia, em alguns estados, mais pessoas testam positivo. A cada dia, muitos trabalhadores americanos ainda estão fora do mercado de trabalho e perdendo a esperança. (…) A própria equipe admite que Donald Trump fracassa no teste mais importante para um presidente americano: o dever de cuidar — de você e de todos nós”, declarou o democrata. “Este homem simplesmente não entende. Ele não pode lidar com nossa crise econômica sem servir, salvar e resolver a crise de saúde pública. (…) Ele desistiu de vocês e ele desistiu deste país”, disparou.
Diretor do Centro de Pesquisas sobre Eleições e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Wisconsin-Madison, Barry C. Burden afirma que a vitória de Trump dependerá de ele convencer a opinião pública de que comanda o país rumo à saída das crises econômica e sanitária. “O presidente também precisará gerar mais ceticismo em relação à aptidão de Biden de servir como mandatário e à aceitabilidade de suas políticas”, explicou. Ele lembra que, na condição de outsider (intruso) em 2016, Trump criticou a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, inserindo-a na corrupção do establishment de Washington. “Na condição de presidente, Trump deve mostrar ao público sua capacidade de governar durante a crise, enquanto apela aos cidadãos que apostam nele para melhorar o sistema.”
Além de reconher a posição “extremamente difícil de Trump”, Burden considera que Biden será bem-sucedido em permitir que o magnata republicano mine a própria credibilidade. “A natureza caótica do modo como o governo opera, e seu tratamento desajeitado da crise de saúde pública e dos protestos possibilitaram que Biden assumisse uma posição de comando no contexto eleitoral”, comentou. O professor da Universidade de Wisconsin-Madison entende que Biden precisará escolher um companheiro de chapa de peso e manter a posição de liderança durante a Convenção Nacional do Partido Democrata, entre 17 e 20 de agosto, na cidade de Milwaukee. Wisconsin é considerado um estado-chave em que Trump venceu em 2016. “Biden também terá de evitar ações públicas capazes de sugerir que suas habilidades cognitivas ou físicas não são suficientes para um presidente.” De acordo com Burden, as percepções sobre o mau manejo da crise da covid-19 e os protestos deflagrados pela morte do afro-americano George Floyd — assassinado por um policial branco em Minneapolis — reduziram o apoio a Trump a níveis mais baixos e o colocaram atrás de Biden nas pesquisas.
Pontos de vista
Por Bruce Ackerman
Risco de crise militar
“Se Donald Trump pensar que perderá, o perigo real é de provocar uma crise militar com a Coreia do Norte, o Irã ou a China, em outubro. Ele pode suspender a eleição até que a ‘emergência de segurança nacional’ se encerre. Essa ação seria flagrantemente inconstitucional e totalmente sem precedentes. É difícil prever se a Suprema Corte, com os novos juízes nomeados por Trump, repudiará publicamente um abuso de poder enquanto comandante em chefe. Se a Corte tentar invalidar as ações do presidente, caberá ao alto comando militar obedecer à Corte ou ao comandante-em-chefe. Enquanto isso, as ações agressivas de Trump podem gerar um sério risco de conflito nuclear.”
Professor da Faculdade Sterling de Direito e de Ciência Política da Universidade de Yale, em New Haven (Connecticut)
Por Barry C. Burden
Apelos à lei e à ordem
“É provável que Trump e os republicanos se concentrem em sua base de apoio fazendo apelos baseados na necessidade de se manter a lei e a ordem, em suas realizações na aprovação dos cortes de impostos e na nomeação de juízes conservadores, além da defesa dos modos de vida tradicionais dos EUA. Mais difícil, porém, essencial para ele, será convencer os eleitores de que gerencia a crise da covid-19 de modo responsável e eficiente. Trump poderá não ser capaz de realizar os comícios que lhe permitiram dominar a agenda em 2016. No entanto, como presidente, ele comanda a atenção da opinião pública de um modo que possa ser útil para moldar a conversa.”
Diretor do Centro de Pesquisa sobre Eleições e professor de Ciência Política da Universidade de Wisconsin-Madison
Por Steven Levitsky
Chances remotas
“As chances de Trump são remotas. Para derrotar Joe Biden, ele precisa rapidamente reverter as crises de saúde pública e econômicas, inter-relacionadas. Até agora, não pareceu ter a capacidade ou a disposição de fazer isso. De maneira mais ampla, Trump, assim como Jair Bolsonaro, tem sólida base de apoio, mas isso não é suficiente para vencer. Para ganhar, ele precisa de uma importante parcela do voto dos independentes. Mas ele alienou a maioria dos eleitores independentes e não parece bem posicionado para recuperá-los. Veremos uma quantidade razoável de caos. Trump fará praticamente qualquer coisa — correr grandes riscos, encorajar a polarização e a violência, e talvez até declarar fraude.”
Professor de governo da Universidade de Harvard e especialista em autoritarismo e democratização
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