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Decisão de reforçar tropas em Portland deve prejudicar reeleição de Trump

Decisão do presidente de reforçar a presença de tropas federais em Portland, palco de convulsão social, pode impactar nos planos de reeleição do magnata, segundo analistas. Governador de Oregon e prefeita pedem ao Congresso que impeça mobilização de agentes

Não bastassem as mais de 147 mil mortes causadas pela covid-19, os protestos contra a morte de George Floyd — cidadão negro assassinado por um policial branco, em 25 de maio, em Minneapolis — se recrudesceram em várias cidades dos Estados Unidos e se transformaram em mais um obstáculo para a reeleição de Donald Trump. A situação é particularmente tensa em Portland, no noroeste do país. Palco de confrontos violentos entre as forças federais e manifestantes simpatizantes do movimento “Black Lives Matter” (“As vidas dos negros importam”), a cidade de 653 mil habitantes, no estado do Oregon, deve receber, nos próximos dias, um novo contingente de agentes mobilizados por Trump.
Além de tensionar as relações com a governadora do Oregon, Kate Brown, e com o prefeito de Portland, Ted Wheeler, a manobra da Casa Branca pode impactar a popularidade do magnata republicano e atrapalhar os planos de se manter por mais quatro anos no comando da nação. Wheeler e os prefeitos de Chicago, Seattle e Washington D.C. escreveram uma carta a líderes do Congresso em que pedem a aprovação de leis para impedir Trump de enviar, unilateralmente, agentes federais às respectivas jurisdições. Segundo o jornal The Oregonian, a mensagem classifica como “ilegal e repugnante” a atitude do presidente de deslocar forças federais para as cidades, sob o pretexto de combater o crime, sem consultar as autoridades regionais.

Christopher McKnight Nichols — diretor do Centro de Humanidades da Faculdade de História, Filosofia e Religião da Universidade Estadual do Oregon — explicou ao Correio que Trump tem buscado posicionar-se como líder “da lei e da ordem”. No entanto, ele entende que os protestos contínuos nos EUA e os assassinatos de George Floyd e de outros afro-americanos parecem minar a capacidade do republicano de cumprir com essa promessa. “Enquanto Trump descreve os manifestantes de Portland como ‘anarquistas violentos’, é difícil, para quem assistiu aos grupos de mães vestidas de amarelo protestado, tachá-las de anarquistas. Alguns dos manifestantes pacíficos foram varridos para dentro de carros não identificados e feridos com armas não letais”, comentou. “Isso provavelmente causará danos eleitorais para Trump, especialmente entre os independentes, as mulheres suburbanas e os eleitores que ficam em cima do muro em relação a táticas armadas mais contundentes.”

De acordo com Nichols, a ótica de se ter forças militares vestidas para a batalha, nas ruas da cidade, confrontando cidadãos e contra o desejo de lideranças locais, é algo a que muitos americanos se opõem. Por outro lado, o especialista aposta que Trump obterá filmagens que lhe permitam obter apoio de sua base política. “No entanto, o papel de tantas pessoas diferentes nos protestos de Portland e as táticas pesadas de agentes federais provavelmente não ajudarão na reeleição.” Ele lembra que os manifestantes têm lutado contra excessos da polícia, incluindo o uso de gás lacrimogêneo, muito antes da chegada dos agentes federais. “Mas foram a presença das tropas federais e o uso desproporcional da força que atraíram multidões enormes e inflamaram as tensões”, disse. Nichols adverte que o envio de mais agentes e de grupos táticos do Departamento de Segurança Interna deve exacerbar uma situação ruim. Entre os gritos de ordem dos manifestantes de Portland, está o de “Feds, get out!” (“Federais saiam!”).

Professor do Centro para Análise da Direita Radical da Universidade Estadual de Portland, Alexander Reid Ross, afirmou que os agentes federais chegaram à cidade sob a missão de proteger o prédio da Corte Federal, alvo de protestos e de vandalismo. “Eles foram criticados por Brown e Wheeler como uma força policial federal. Há duas semanas, um disparou contra um jovem na têmpora e causou-lhe danos cerebrais. Isso desatou  grande onda de protestos, incluindo de um grupo de mães. Mais recentemente, uma dessas mães também foi atingida na cabeça, o que  aumentou as tensões”, disse à reportagem.

Segundo Ross, ainda não está claro o impacto dos confrontos em Portland sobre a reeleição de Trump. O estudioso aponta que o republicano organiza sua campanha em oposição ao crime nas ruas e à agitação nas cidades. “Essas mensagens funcionaram para os ex-presidentes Richard Nixon, Ronald Reagan e Bill Clinton. Trump espera que isso funcione para ele também. Mas, a criminalidade não estava aumentando antes que ele chegasse à Casa Branca. Muitos creem que a agitação social está diretamente ligada às políticas econômicas fracassadas tomadas durante a crise da covid-19”, comentou. Ross acrescenta que, se os EUA pareciam uma nação “vacilante” em 2016, com sementes de conflitos de baixa intensidade e duradouros, com milícias vigilantes e com agitação política em massa, “é extremamente difícil dizer que Trump tornou a situação materialmente melhor”.

Conselheiro testa positivo para a covid-19

Robert O’Brien, conselheiro de Segurança Nacional do presidente Donald Trump, está com covid-19. Depois do diagnóstico, o ocupante de um cargo crucial dentro do Executivo americano isolou-se e trabalha “de um lugar seguro” fora da Casa Branca, de acordo com o governo dos EUA. O’Brien é o primeiro conselheiro do presidente a ser infectado. De acordo com a Casa Branca, as devidas precauções  foram tomadas e o presidente escapou do vírus até o momento. O assessor fez uma viagem a Paris em meados de julho, onde se reuniu com seus homólogos franceses, alemães, italianos e britânicos. “Não há risco de exposição do presidente ou do vice-presidente”, acrescentou a Casa Branca, assegurando que o Conselho de Segurança Nacional continuará funcionando normalmente.

» Nova pesquisa indica vitória de Joe Biden


Uma pesquisa realizada pela Harvard CAPS — um grupo de centistas políticos, sociólogos, historiadores e economistas da Universidade de Harvard — e pela empresa de consultoria Harris Poll aponta uma vantagem de 10 pontos percentuais para o democrata Joe Biden sobre o presidente Donald Trump. Enquanto o ex-vice de Barack Obama teria 55% dos votos, o republicano ficaria com 45%. Biden conta com o apoio de 91% dos democratas, comparado a 87% para os republicanos. Os eleitores independentes também tendem a votar em Biden: 56% a 44%. A pandemia do novo coronavírus foi citada como tema que mais preocupa os cidadãos norte-americanos: 54% citaram a covid-19 como um dos três desafios mais importantes para os EUA; 32% listaram a economia; 25% a atenção à saúde; e 22% as relações raciais.

» Pontos de vista

Por Christopher MicKnight Nichols
Situação insustentável
“O estado do Oregon possui longa história de racismo. Parece-me que a situação tornou-se insustentável. A violência é abominável. No entanto, o ônus de se utilizar menos violência e de reduzir a tensão recai sobre os policiais e sobre os agentes federais treinados. Como a liderança do Departamento de Segurança Interna e o governo de Donald Trump insistem que as forças permanecerão  em Portland, e como os agentes não têm praticado a redução da tensão, parece improvável que muita coisa mudará. Teremos protestos e marchas diárias, e confrontos norturnos ao redor do prédio da Corte Federal.”, Diretor do Centro de Humanidades da Faculdade de História, Filosofia e Religião da Universidade Estadual do Oregon.

Por Alexander Reid Ross
Círculo vicioso
“À medida que a brutalidade das forças federais persistir, com o uso de gás lacrimogêneo, proibido pelo governo local, os agentes enviados pela Casa Branca vão personificar o papel de força policial ocupante, no ponto de vista de muitos moradores locais. A impopularidade desses agentes continuará a se espalhar para as ruas, na forma de levante civil. Se eles saírem, é duvidoso que as condições entre a polícia local e os manifestantes mudem de forma significativa. A governadora do estado do Oregon, Kate Brown, chamou a presença das autoridades federais de ‘teatro político’.”, Professor do Centro para Análise da Direita Radical da Universidade Estadual de Portland.