Correio Braziliense
postado em 28/07/2020 06:00
Não bastassem as mais de 147 mil mortes causadas pela covid-19, os protestos contra a morte de George Floyd — cidadão negro assassinado por um policial branco, em 25 de maio, em Minneapolis — se recrudesceram em várias cidades dos Estados Unidos e se transformaram em mais um obstáculo para a reeleição de Donald Trump. A situação é particularmente tensa em Portland, no noroeste do país. Palco de confrontos violentos entre as forças federais e manifestantes simpatizantes do movimento “Black Lives Matter” (“As vidas dos negros importam”), a cidade de 653 mil habitantes, no estado do Oregon, deve receber, nos próximos dias, um novo contingente de agentes mobilizados por Trump.
Além de tensionar as relações com a governadora do Oregon, Kate Brown, e com o prefeito de Portland, Ted Wheeler, a manobra da Casa Branca pode impactar a popularidade do magnata republicano e atrapalhar os planos de se manter por mais quatro anos no comando da nação. Wheeler e os prefeitos de Chicago, Seattle e Washington D.C. escreveram uma carta a líderes do Congresso em que pedem a aprovação de leis para impedir Trump de enviar, unilateralmente, agentes federais às respectivas jurisdições. Segundo o jornal The Oregonian, a mensagem classifica como “ilegal e repugnante” a atitude do presidente de deslocar forças federais para as cidades, sob o pretexto de combater o crime, sem consultar as autoridades regionais.
Christopher McKnight Nichols — diretor do Centro de Humanidades da Faculdade de História, Filosofia e Religião da Universidade Estadual do Oregon — explicou ao Correio que Trump tem buscado posicionar-se como líder “da lei e da ordem”. No entanto, ele entende que os protestos contínuos nos EUA e os assassinatos de George Floyd e de outros afro-americanos parecem minar a capacidade do republicano de cumprir com essa promessa. “Enquanto Trump descreve os manifestantes de Portland como ‘anarquistas violentos’, é difícil, para quem assistiu aos grupos de mães vestidas de amarelo protestado, tachá-las de anarquistas. Alguns dos manifestantes pacíficos foram varridos para dentro de carros não identificados e feridos com armas não letais”, comentou. “Isso provavelmente causará danos eleitorais para Trump, especialmente entre os independentes, as mulheres suburbanas e os eleitores que ficam em cima do muro em relação a táticas armadas mais contundentes.”
De acordo com Nichols, a ótica de se ter forças militares vestidas para a batalha, nas ruas da cidade, confrontando cidadãos e contra o desejo de lideranças locais, é algo a que muitos americanos se opõem. Por outro lado, o especialista aposta que Trump obterá filmagens que lhe permitam obter apoio de sua base política. “No entanto, o papel de tantas pessoas diferentes nos protestos de Portland e as táticas pesadas de agentes federais provavelmente não ajudarão na reeleição.” Ele lembra que os manifestantes têm lutado contra excessos da polícia, incluindo o uso de gás lacrimogêneo, muito antes da chegada dos agentes federais. “Mas foram a presença das tropas federais e o uso desproporcional da força que atraíram multidões enormes e inflamaram as tensões”, disse. Nichols adverte que o envio de mais agentes e de grupos táticos do Departamento de Segurança Interna deve exacerbar uma situação ruim. Entre os gritos de ordem dos manifestantes de Portland, está o de “Feds, get out!” (“Federais saiam!”).
Professor do Centro para Análise da Direita Radical da Universidade Estadual de Portland, Alexander Reid Ross, afirmou que os agentes federais chegaram à cidade sob a missão de proteger o prédio da Corte Federal, alvo de protestos e de vandalismo. “Eles foram criticados por Brown e Wheeler como uma força policial federal. Há duas semanas, um disparou contra um jovem na têmpora e causou-lhe danos cerebrais. Isso desatou grande onda de protestos, incluindo de um grupo de mães. Mais recentemente, uma dessas mães também foi atingida na cabeça, o que aumentou as tensões”, disse à reportagem.
Segundo Ross, ainda não está claro o impacto dos confrontos em Portland sobre a reeleição de Trump. O estudioso aponta que o republicano organiza sua campanha em oposição ao crime nas ruas e à agitação nas cidades. “Essas mensagens funcionaram para os ex-presidentes Richard Nixon, Ronald Reagan e Bill Clinton. Trump espera que isso funcione para ele também. Mas, a criminalidade não estava aumentando antes que ele chegasse à Casa Branca. Muitos creem que a agitação social está diretamente ligada às políticas econômicas fracassadas tomadas durante a crise da covid-19”, comentou. Ross acrescenta que, se os EUA pareciam uma nação “vacilante” em 2016, com sementes de conflitos de baixa intensidade e duradouros, com milícias vigilantes e com agitação política em massa, “é extremamente difícil dizer que Trump tornou a situação materialmente melhor”.
Conselheiro testa positivo para a covid-19
Robert O’Brien, conselheiro de Segurança Nacional do presidente Donald Trump, está com covid-19. Depois do diagnóstico, o ocupante de um cargo crucial dentro do Executivo americano isolou-se e trabalha “de um lugar seguro” fora da Casa Branca, de acordo com o governo dos EUA. O’Brien é o primeiro conselheiro do presidente a ser infectado. De acordo com a Casa Branca, as devidas precauções foram tomadas e o presidente escapou do vírus até o momento. O assessor fez uma viagem a Paris em meados de julho, onde se reuniu com seus homólogos franceses, alemães, italianos e britânicos. “Não há risco de exposição do presidente ou do vice-presidente”, acrescentou a Casa Branca, assegurando que o Conselho de Segurança Nacional continuará funcionando normalmente.
» Nova pesquisa indica vitória de Joe Biden
Uma pesquisa realizada pela Harvard CAPS — um grupo de centistas políticos, sociólogos, historiadores e economistas da Universidade de Harvard — e pela empresa de consultoria Harris Poll aponta uma vantagem de 10 pontos percentuais para o democrata Joe Biden sobre o presidente Donald Trump. Enquanto o ex-vice de Barack Obama teria 55% dos votos, o republicano ficaria com 45%. Biden conta com o apoio de 91% dos democratas, comparado a 87% para os republicanos. Os eleitores independentes também tendem a votar em Biden: 56% a 44%. A pandemia do novo coronavírus foi citada como tema que mais preocupa os cidadãos norte-americanos: 54% citaram a covid-19 como um dos três desafios mais importantes para os EUA; 32% listaram a economia; 25% a atenção à saúde; e 22% as relações raciais.
» Pontos de vista
Por Christopher MicKnight Nichols
Situação insustentável
“O estado do Oregon possui longa história de racismo. Parece-me que a situação tornou-se insustentável. A violência é abominável. No entanto, o ônus de se utilizar menos violência e de reduzir a tensão recai sobre os policiais e sobre os agentes federais treinados. Como a liderança do Departamento de Segurança Interna e o governo de Donald Trump insistem que as forças permanecerão em Portland, e como os agentes não têm praticado a redução da tensão, parece improvável que muita coisa mudará. Teremos protestos e marchas diárias, e confrontos norturnos ao redor do prédio da Corte Federal.”, Diretor do Centro de Humanidades da Faculdade de História, Filosofia e Religião da Universidade Estadual do Oregon.
Por Alexander Reid Ross
Círculo vicioso
“À medida que a brutalidade das forças federais persistir, com o uso de gás lacrimogêneo, proibido pelo governo local, os agentes enviados pela Casa Branca vão personificar o papel de força policial ocupante, no ponto de vista de muitos moradores locais. A impopularidade desses agentes continuará a se espalhar para as ruas, na forma de levante civil. Se eles saírem, é duvidoso que as condições entre a polícia local e os manifestantes mudem de forma significativa. A governadora do estado do Oregon, Kate Brown, chamou a presença das autoridades federais de ‘teatro político’.”, Professor do Centro para Análise da Direita Radical da Universidade Estadual de Portland.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.