Correio Braziliense
postado em 29/07/2020 06:00
A 98 dias das eleições presidenciais norte-americanas, uma troca de farpas entre dois dos principais nomes da política externa no Capitólio e no Congresso Nacional brasileiro adicionou tensão às relações bilaterais entre Washington e Brasília. “A família Bolsonaro precisa ficar de fora das eleições dos Estados Unidos”, recomendou, por meio de um tuíte, Eliot Engel, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes.
Eduardo Bolsonaro, homólogo de Engel no Brasil e filho do presidente Jair Bolsonaro, respondeu com uma série de mensagens no Twitter, na tarde de ontem. “O probema é eu opinar sobre as eleições nos EUA? Ou é apoiar Donald Trump?”, escreveu. “É certo que as relações Brasil-EUA estão acima das pessoas e, independentemente do vitorioso em 2020, trabalharemos para manter essa boa relação. (…) A sorte do colega Eliot Engel é que não sou de esquerda, se não esse post seria reduzido ao insulto de xenofóbico”, acrescentou, ao assegurar que apoia Trump por convicções pessoais.
Consultado pelo Correio, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro informou que “não comentará assuntos relativos ao quadro eleitoral dos Estados Unidos da América”. Também contatado pela reportagem, o Palácio do Planalto não se pronunciou sobre o tema até o fechamento desta edição.
Para o historiador britânico Kenneth P. Maxwell, professor aposentado da Universidade de Harvard e fundador do Programa de Estudos sobre o Brasil, uma vitória do democrata Joe Biden, líder das pesquisas, nas eleições de 3 de novembro provocará “um grande reajuste nas relações com o Brasil”. “Os vínculos entre Bolsonaro e Trump são pessoais e transacionais. No entanto, não resultaram em grandes mudanças estruturais de longo prazo. Um governo de Biden será muito mais rígido em relação a questões ambientais e aos direitos humanos”, afirmou ao Correio. “O Brasil precisará fazer escolhas difíceis no contexto global e na rivalidade entre China e EUA, a qual não desaparecerá tão cedo, quem quer que seja o próximo presidente norte-americano.”
Por sua vez, Riordan Roett — diretor emérito do Programa de Estudso da América Latina da Universidade Johns Hopkins (Washington) — aposta em uma relação pragmática, em caso de triunfo democrata. “Em uma gestão de Biden, o meio ambiente, a pandemia do novo coronavírus e um comércio justo serão temas-chave da cooperação bilateral”, explicou, por e-mail.
Discípulo do brasilianista Thomas Skidmore, o historiador político James Naylor Green disse não ter dúvidas de que haverá uma mudança na atitude do governo dos EUA em relação ao Brasil, se Biden vencer e os democratas retomarem o controle do Senado. “Não tenho ideia se o presidente Bolsonaro conseguirá ou não desenvolver uma relação de trabalho com os Estados Unidos, mas acho que as forças progressistas no Congresso norte-americano ampliarão seu apoio aos movimentos sociais e à agenda progressista no Brasil”, afirmou à reportagem o professor da Universidade Brown (em Rhode Island). “Bolsonaro provavelmente ficará mais isolado internacionalmente se Trump não for reeleito, e isso enfraquecerá seu poder em âmbito nacional.”
Irresponsabilidade
Presidente honorário do think tank Diálogo Interamericano (em Washington), Peter Hakim também avalia que as relações entre EUA e Brasil tornar-se-ão mais controversas e, provavelmente, distantes, sob o comando de Biden. “Um governo de Biden refletirá as atuais opiniões do Partido Democrata de que o governo Bolsonaro é irresponsável na gestão da Amazônia; em sua negação das mudanças climáticas; em suas vergonhosas políticas de direitos humanos para afrobrasileiros, mulheres e grupos indígenas; e em suas atitudes em relação ao multilateralismo”, previu. “O Brasil não terá um relacionamento fácil com os EUA. O único benefício para Bolsonaro será menos pressão para reduzir o comércio do Brasil com a China”, acrescentou, por e-mail.
Segundo Hakim, além da “adulação ilimitada” de Bolsonaro para Trump, não há muita relação entre os governos do Brasil e dos EUA . “O comércio não está aumentando e nenhum grande acordo econômico se avizinha. Os EUA procuram no Brasil apoio ocasional na esfera internacional, como para eleger um presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)”, avaliou. Ele considera Bolsonaro “tolo” por crer que pode contar com o apoio norte-americano a qualquer iniciativa séria.
Na opinião de Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM São Paulo, a eventual eleição de Biden sugere um relacionamento com “muitos pontos de atrito e de pressão”, especialmente na questão ambiental. “O apoio explícito de Bolsonaro a Trump será outro obstáculo para a construção de confiança. Por outro lado, temos intensa agenda de comércio e discussão de temas econômicos importantes para ambos governos.”
O tuíte polêmico
Na última segunda-feira, Eliot Engel, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes, retuitou uma mensagem com vídeo publicada na véspera por Eduardo Bolsonaro — ocupante de cargo homólogo na Câmara dos Deputados, em Brasília. “Já vimos esse roteiro antes. É vergonhoso e inaceitável. A família Bolsonaro precisa ficar de FORA das eleições dos Estados Unidos”, escreveu. O vídeo replicado por Eduardo era material de apoio à reeleição do republicano Donald Trump.
Brasilianistas
“Durante um governo de Joe Biden, acredito que a Casa Branca buscará observar e estabelecer relações pragmáticas e corretas com o Brasil. Uma mudança nos padrões da cooperação bilateral dependerá da disposição do governo de Jair Bolsonaro de abordar os temas mais importantes para os dois países de maneira realista e prática.”, Riordan Roett, diretor emérito do Programa de Estudos da América Latina da Universidade Johns Hopkins (Washington).
“Veremos um novo padrão nas relações, tanto por parte dos EUA quanto do Brasil. No perigoso mundo pós-pandemia, muitos padrões terão que ser restabelecidos. As consequências econômicas da pandemia estão começando a ser sentidas. Trump e Bolsonaro têm a nada invejável distinção de serem os dois piores respondedores da pandemia. Pelo menos, eles têm isso em comum.”, Kenneth P. Maxwell, historiador britânico, professor aposentado da Universidade de Harvard e fundador do Programa de Estudos sobre o Brasil.
“Não creio que, além de membros da comunidade brasileira nos EUA, haja muitos simpatizantes de Bolsonaro entre a população americana. O vínculo estreito entre Trump e Bolsonaro ajudou a educar o público dos EUA sobre quão ruim os dois governos têm sido. As pessoas veem que ambos têm a mesma atitude em relação à pandemia, à democracia e aos direitos civis e humanos.”, James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island) e discípulo de Thomas Skidmore (1932-2016).
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