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Ao adiar eleições, China mostra que não abrirá mão do controle de Hong Kong

Depois de anular 12 candidaturas da oposição, autoridades subordinadas ao Partido Comunista Chinês adiam em um ano as eleições para o Conselho Legislativo e ordenam prisão de exilados. EUA condenam a suspensão e veem nova ''promessa quebrada''

Correio Braziliense
postado em 01/08/2020 07:00
Flâmulas com as fotos dos candidatos ao Conselho Legislativo, o equivalente ao parlamento local: disposição montada a favorecer a soberania do Partido Comunista ChinêsA erosão da democracia em Hong Kong ocorre por etapas. Em 30 de junho, a China aprovou a polêmica Lei de Segurança Nacional para a ex-colônia britânica — o texto pune com penas severas a subversão, a secessão, o terrorismo e o conluio com forças estrangeiras. Na última quinta-feira, as autoridades da metrópole financeira vetaram 12 candidatos pró-democracia, impedindo-os de disputar as eleições para o Conselho Legislativo (LegCo, parlamento local), até então marcadas para 5 de setembro. Ontem, a mando do Partido Comunista Chinês (PCC), elas desferiram mais dois golpes nas liberdades políticas de Hong Kong: remarcaram a votação para 6 de setembro de 2021 e ordenaram a prisão de seis ativistas no exílio, entre eles Natham Law e Samuel Chu.

“Hoje, anuncio a decisão mais difícil dos últimos sete meses (...), que é a de adiar as eleições para o Conselho Legislativo”, declarou Carrie Lam, chefe do Executivo de Hong Kong. Por sua vez, a emissora estatal CCTV divulgou que “a polícia de Hong Kong ordenou oficialmente a prisão de seis manifestantes que fugiram para o exterior”. A justificativa para o adiamento em um ano das eleições foi a pandemia do novo coronavírus. Até o fechamento desta edição, Hong Kong contabilizava 3.272 casos de covid-19 e 27 mortes. Pequim classificou a medida de “necessária, razoável e legal”.

Um dia após o presidente Donald Trump sugerir o adiamento das eleições nos Estados Unidos, sob a justificativa de potencial fraude no sistema de voto por correspondência, a Casa Branca criticou a suspensão do processo eleitoral em Hong Kong. “Condenamos a decisão do governo de Hong Kong de adiar por um ano as eleições de seu Conselho Legislativo”, declarou a porta-voz, Kayleigh McEnany. Para ela, o adiamento “mina os processos democráticos e as liberdades” da ex-colônia britânica. “Essa é apenas uma da crescente lista de promessas quebradas por Pequim, que prometeu autonomia e liberdades para o povo de Hong Kong até 2047”, comentou.

Um dos ativistas prejudicados pela invalidação das candidaturas, Joshua Wong — um dos líderes da “Revolução dos Guarda-Chuvas”, de 2014 — denunciou “o período de fraude eleitoral mais escandaloso da história de Hong Kong” e desafiou Pequim. “Nossa resistência continuará, e esperamos que o mundo esteja do nosso lado na batalha que está por vir”, comentou o jovem de 23 anos, em uma concorrida entrevista coletiva.

Preço alto


Eugene Perry Link, professor de estudos sobre a China da Universidade da Califórnia (Ucla), explicou ao Correio que as autoridades chinesas sabem que os candidatos a favor da democracia têm muito mais apoio do que aqueles avalizados por Pequim. “A proibição das candidaturas e o adiamento das eleições destinam-se a manter a opinião pública afastada do tema até que, gradualmente, o povo de Hong Kong seja forçado a aceitar o domínio do regime do Partido Comunista Chinês (PCC)”, disse. Na opinião do especialista, Pequim está disposta a pagar um preço alto para impedir a autonomia de Hong Kong. “O presidente Xi Jinping teme que outras cidades, como Shenzhen, Guangzhou, Xangai e Chengdu, também busquem autonomia”, reforçou Link.

Mais de 600 mil cidadãos de Hong Kong participaram, em 11 e 12 de julho, das primárias organizadas pelo movimento pró-democracia. Apesar de a participação ter envolvido apenas pouco mais do que 8% da população, especialistas consideraram a consulta um sucesso popular, segundo a agência de notícias France-Presse.

Único não chinês com mandado de prisão expedido por Pequim ontem e diretor do Conselho de Democracia de Hong Kong (em Washington D.C.), Samuel Chu afirmou ao Correio acreditar que a China está “com medo”. “Isso tudo sempre foi uma questão de controle. Se eles (os líderes do Partido Comunista Chinês) perderem o controle de Hong Kong ou parecerem incapazes de suprimir a oposição, isso ameaçará o domínio dentro da própria China continental”, explicou o filho do reverendo Chu Yiu Ming, pastor batista e cofundador da “Revolução dos Guarda-Chuvas”, de 2014.

Samuel elogia o “tremendo poder de resiliência e a criatividade” exibidos pelos cidadãos de Hong Kong nos últimos anos. “Em 2019, testemunhamos o movimento pró-democracia evoluir e adaptar-se em vários pontos. Haverá mais protestos, mais ações e mais organização. Qualquer repressão por parte das autoridades de Hong Kong ou da China expandirá a base de apoio do movimento”, advertiu.

Duas perguntas para Samuel Chu 

Diretor do Conselho de Democracia de Hong Kong (Washington D.C.) e o único não chinês com mandado de prisão expedido pela China:

Como o senhor analisa o expurgo promovido a ativistas pró-democracia pelo governo de Hong Kong e pela China?

O Partido Comunista Chinês (PCC) e as autoridades de Hong Kong entendem que, por causa do momento e da resiliência do movimento de protesto, os candidatos pró-Pequim podem perder as eleições para o Conselho Legislativo. Isso poderia levar a uma maioria esmagadora dos pró-democracia. Isso é o que os ditadores fazem — desqualificar seus opositores e adiar eleições democráticas quando sabem que perderam os corações e as mentes do povo.

Qual é a razão de tal manobra, na sua opinião?

Acho que a intenção deles é estancar a onda pró-democracia. No entanto, o efeito será oposto. Qualquer pouca legitimidade que o governo de Hong Kong deixou agora está destruída. O atraso nas eleições apenas anima e intensifica o apoio e as demandas por reformas democráticas.

Eu acho... 

“A curto prazo, a decisão de Hong Kong de adiar as eleições certamente provocará tensão. A longo prazo, o Partido Comunista Chinês provavelmente sairá vitorioso. Hong Kong tornar-se-á uma cidade diferente, menos turbulenta. Muitos cidadãos de Hong Kong fugirão para outros lugares.”
Eugene Perry Link, professor de estudos sobre a China da Universidade da Califórnia (Ucla).

 

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