Mundo

Conexão diplomática

Correio Braziliense
postado em 01/08/2020 04:15



Mapa acidentado no ano da covid

Mal contabilizado o impacto socioeconômico inicial de um semestre de pandemia, sinais de que o coronavírus volta a rondar os primeiros focos de contágio, como Europa e Ásia, se somam à persistência da crise sanitária nas Américas — com EUA e Brasil sustentando a expansão da covid-19. A retração econômica global, de profundidade inédita desde o pós-Segunda Guerra, desafia os governantes de todas as regiões do mundo. E acirra tensões preexistentes entre potências e polos de poder que disputam posições em uma geopolítica estremecida pelo vírus.

Da perspectiva brasileira, o momento coloca em teste a política externa traçada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo chanceler Ernesto Araújo. No primeiro ano de mandato, os esforços se concentraram na reorientação da diplomacia para o alinhamento estratégico com a Casa Branca de Donald Trump. Entre outros temas, na opção preferencial pelo unilateralismo nas relações exteriores, em detrimento da aposta no sistema das Nações Unidas e em iniciativas como o Brics — bloco de economias ditas emergentes, com Rússia, Índia, China e África do Sul.

Às voltas com o assédio incessante da pandemia, o país toma distância da ONU no momento em que agências como a OMS se perfilam como a melhor opção — se não a única — na tentativa de sobreviver a uma nova (des)ordem mundial assentada em lemas como “cada um por si” ou “salve-se quem puder”. Em particular, no desenvolvimento, na produção e na distribuição de vacinas, uma frente que tende a condicionar os próximos movimentos de rivais/adversários como EUA, China, Rússia e Europa.

Vacina à vista

De imediato, e ainda às voltas com os múltiplos sintomas e complicações da covid, o Brasil tem de montar — e resolver — uma equação complexa. Trata-se, primeiro, de se associar aos projetos em andamento para desenvolver uma vacina. Nesse campo, instituições como a Fiocruz e universidades fecharam acordos com laboratórios da China e do Reino Unido. Excelência técnico-científica e capacidade instalada para produção em escala qualificam os centros de pesquisa brasileiros.

Para o governo Bolsonaro, fica a missão de negociar a aquisição de lotes de vacinas, tão logo quanto possível, em um ambiente internacional em que múltiplos concorrentes abrem o cofre, o talão de cheques e o cartão de crédito para garantir os próprios suprimentos. Inclusive — e principalmente — por imposições do jogo político interno.

A corrida pelas ampolas de vacina se viu contaminada pelo anúncio de que a Rússia pretende pedir o registro de uma fórmula já no mês que começa hoje. Ainda duas semanas atrás, governos ocidentais denunciaram a invasão de hackers russos aos sistemas de dados de instituições de diferentes países em estágio avançado nas pesquisas e testes.

Quem pode mais...

Na competição pelo suprimento de vacinas se desenha o enigma existencial imediato para o Planalto e o Itamaraty. O alinhamento preferencial com a Casa Branca de Donald Trump, incluídos os atritos com a OMS e outras agências do sistema ONU, distancia o país não apenas de outros potenciais produtores.

O unilateralismo em política externa tem por corolário a máxima segundo a qual “quem pode mais chora menos”. O presidente americano tem pela frente uma campanha difícil pela reeleição, no início de novembro. Criticado pela resposta à pandemia, com os EUA na liderança do ranking de casos e de mortes pela covid, Trump não economiza dólares para comprar antecipadamente milhões de doses.

O Brasil, segundo colocado nas estatísticas da crise sanitária, tem cacife escasso para o leilão.

Fica no trono?

A campanha pelo segundo mandato, ameaçado pelos sinais captados nas pesquisas a pouco mais de três meses da votação, dita cada vez mais as opções do presidente-candidato. Sintomático que ele tenha invocado o vírus como motivo para um adiamento do pleito: coronacético de primeira hora, como o aliado e amigo Bolsonaro, o titular da Casa Branca levantou suspeitas de “fraude em massa” em uma eleição com ênfase no voto não presencial, por correio ou internet.

A mudança da data, fixada para 3 de novembro pela norma constitucional, passa pelo Congresso. A oposição democrata, que controla a Câmara, aponta a artilharia contra a ideia. E mesmo no Partido Republicano (governista), majoritário no Senado, o balão de ensaio lançado pelo presidente topa com resistências.



“O momento coloca em teste a política externa traçada por Bolsonaro e pelo chanceler Ernesto Araújo”
 
 
 
 
 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags