postado em 22/05/2019 04:07
O entendimento da explosão de custos do sistema de saúde tem sido abordado de forma muito simplista, sem aprofundamento nas reais causas que levam a isso. O Brasil, infelizmente, tem se destacado como um dos poucos lugares do mundo com dois dígitos de inflação na saúde, fruto de uma variação de custo médico hospitalar que atinge 16% ao ano, contra 6% nos Estados Unidos. Custos de assistência não são resultado de tabelas ou de códigos de procedimentos, mas de prática assistencial que não pode seguir desajustada e sem compromisso de valor.
Em recente publicação, o principal empregador dos Estados Unidos comenta que mais da metade de seus funcionários que foram submetidos a cirurgias de coluna em centros de referência não necessitava desse tipo de abordagem, mas de tratamento de natureza clínica. Esses dados vêm ao encontro de informações também levantadas no Brasil e publicadas na literatura médica internacional, o que confirma o abuso em determinados procedimentos.
Isso é tão verdadeiro que, no cenário mundial, o assunto passou a ser tratado sob a lógica do abuso e do overuse. Não dá para generalizar, mas efetivamente isso chama a atenção quando observamos internações exageradas se comparadas aos dados da literatura especializada estrangeira.
O sistema de remuneração estimula esse cenário, pois não defende a medicina de valor e os desfechos, mas os dados de produtividade. O que significa dizer que, quanto mais fizer, melhor. Só que melhor para quem? Para o paciente, necessariamente, não. Portanto, a robustez de uma organização de saúde não pode mais ser respeitada só pelas instalações ou pela capacidade de geração de caixa, mas, na verdade, pela qualidade que agrega à sociedade.
O Institute for Health Improvement (IHI) tem sido a grande bandeira de resgate para que a medicina seja também sustentável, pregando de maneira deliberada pela qualidade, colocando o paciente no centro de tudo: sua segurança, sua experiência e o efeito na sociedade onde ele se insere. Falar de qualidade em saúde é falar de um direito social dentro do contexto de defender interesses de um protagonista que insere a saúde como um direito, com gestão eficiente e sustentável, seja ela no sistema público, seja no privado.
Hospitais têm papel distinto na linha do tempo. Foram criados, no princípio, como locais onde os pacientes encontravam suporte para grandes cirurgias ou até mesmo para não morrer em casa. Com o advento da tecnologia, ganharam papel investigativo e diagnóstico, o que poderia ser feito de forma ambulatorial. E digo mais: a necessidade da utilização desses ambientes de acordo com a complexidade é fundamental, pois, caso isso não ocorra, distorceremos suas finalidades e encarecendo a medicina que, no fundo, é financiada pelo cidadão.
Aliás, fonte pagadora não é quem levanta os fundos de sustentação, cabendo a ela o papel de gerenciar adequadamente o capital gerado pela sociedade mediante contribuições na forma de impostos ou contraprestações dos seguros saúde. Portanto, a exigência de uma medicina adequada que questione internações desnecessárias e o abuso é papel de quem é pago para essa finalidade.
Nesse contexto, cabem avaliações periódicas da qualidade das práticas, com mensurações de desfecho e complicações e avaliações de efetividade, fatores que estão longe de serem percebidos pelo aspecto das instalações e pela riqueza das tecnologias disponíveis para isso.
Fato é que estamos num grande debate que resultou em mudança de cultura, o que é muito difícil de acontecer de forma suave. As transformações culturais mexem com estruturas e para elas isso se traduz em grande incômodo. Esse transtorno, quando não ignorado e trabalhado, exige modificações que nem sempre são fáceis, mas, sob o ponto de vista ético, são imprescindíveis dentro do papel da cidadania e da vida em sociedade.