Opinião

Precisamos falar sobre gravidez na adolescência

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 24/05/2019 04:27
Mães meninas seguem uma triste realidade brasileira. O país mantém um índice muito alto de gravidez na adolescência, como aponta o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) para América Latina e Caribe divulgado em fevereiro ; 68,4 bebês para cada mil meninas de 15 a 19 anos entre 2010 e 2015. Está acima da média latino-americana (65,5) e é bem superior à mundial, de 46 bebês. Os dados mais recentes do Ministério da Saúde (2017) confirmam o cenário: tivemos mais de 546 mil bebês nascidos de mães adolescentes (10 a 19 anos) no período, mesmo após diminuição de 17% nos últimos 11 anos.

Apesar de grave, o tema não mobiliza nossas políticas públicas. Em janeiro, foi sancionada a Lei n; 13.798, que acrescenta um artigo ao Estatuto da Criança e do Adolescente criando a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, em 1; de fevereiro. Deverão ser realizadas ;atividades educativas e preventivas, envolvendo o poder público e as organizações da sociedade civil;. A medida é insuficiente para combater um problema de tamanha amplitude e persistência no país. O próprio Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos destacou, na campanha de fevereiro, que a proporção de adolescentes entre 15 e 19 anos não inseridas no mercado de trabalho ou na escola é maior entre as que já tiveram filhos (IBGE/Censo 2010).

Isso já seria alarmante. Porém, como pediatra treinada em medicina do adolescente e há mais de 30 anos atendendo esses pacientes, testemunho outros efeitos nefastos: a gravidez na adolescência pode ter profundo efeito na saúde das meninas ao longo da vida. Cria obstáculos para o seu desenvolvimento psicossocial, a empregabilidade e torna mais frágil também a saúde dos filhos, elevando o risco de pobreza para ambos.

Há muitas causas para a gravidez na adolescência, desde o desejo de ser mãe para ser incluída e aceita socialmente até a desinformação sobre sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos, passando pelo uso inadequado de práticas contraceptivas ; o que evidencia a falta de acesso ao sistema de saúde e, logo, à proteção social. Isso se soma à falta de projeto de vida, à desesperança em relação ao futuro, às poucas oportunidades de educação. Tudo alimentando o ciclo de pobreza.

Essas condições tornam ainda mais frágeis as mães adolescentes e as gerações futuras, pois impactam o indivíduo, a família e a sociedade, elevando as taxas de mortalidade materna, as complicações neonatais e promovendo o aumento de custos para o sistema de saúde. São vários fatores de risco atuando juntos numa gestação na adolescência. Ter menos de 16 anos, a primeira menstruação ter ocorrido menos de dois anos antes e a gravidez ser decorrente de estupro são dos principais para as mães meninas. A falta de pré-natal e apoio familiar, presença de doenças crônicas, dengue ou zika, ser usuária de drogas ou medicamentos não prescritos por médico, tentativa anterior de aborto e rejeição ao feto também potencializam os perigos.

Do seu lado, há riscos para os recém-nascidos e no primeiro ano de vida ; o parto em situação desfavorável, nascimento prematuro ou com baixo peso, dificuldades na amamentação, necessidade de cuidados em UTI, más- formações, infecções transmitidas pela mãe ou placenta (sífilis, herpes, hepatites, zika, HIV/Aids), abandono, negligência e ausência de acompanhamento pediátrico.

E há ainda riscos conjuntos que afetam mãe adolescente e recém-nascido. Entre eles o abandono da escola, dificultando a inserção no mercado de trabalho e o sustento de mãe e filho, comumente aliado ao abandono do pai biológico ou parceiro. Há mais: o bebê ser fruto de abuso sexual ou relacionamento extraconjugal, rejeição ou expulsão da adolescente e seu bebê pela família, convívio em famílias com doenças psiquiátricas, usuárias de drogas ou histórico de violência intrafamiliar, viver em situações já contextuais de risco ; na rua, refugiada ou migrante.

O quadro é dramático, mas não alcança status de urgência no Brasil. Nós, pediatras que atendemos essas meninas, não podemos calar. É preciso seguir falando de gravidez na adolescência ; ainda! E brigando por medidas mais efetivas contra esse final tão precoce da infância.



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