postado em 29/05/2019 04:28
Em entrevista concedida a Cristian Klein, resumida no Valor Econômico da segunda-feira passada, Francisco Weffort compara o presidente Bolsonaro ao ex-presidente Jânio Quadros. Como Jânio, Bolsonaro é um populista que quer enfrentar o Congresso via pressão popular. E, como Jânio, aposta Weffort, Bolsonaro também vai dar com os burros n;água: ;Jânio não conseguiu. E ele também não vai conseguir;. E completa: Se acha que um presidente no Brasil consegue criar um grande movimento de massa permanente, expresso em manifestações como as realizadas ontem;, está enganado.
A opção de Bolsonaro por abandonar o presidencialismo de coalizão, que prevaleceu desde a redemocratização, também tem sido criticada por alguns de nossos melhores cientistas políticos. Nesse sistema, o presidente entrega aos partidos de sua base de apoio no Congresso parte de seu governo ; ministérios, a direção de estatais, cargos em órgãos públicos etc. ; e em troca conta com o apoio dos partidos no Congresso.
Bolsonaro tem chamado esse sistema de a ;velha política;, associando-o aos inúmeros casos de corrupção revelados em investigações como as do mensalão e do petrolão. E argumenta que não há como adotar esse sistema sem repetir essas práticas, o que o tornaria vulnerável ao mesmo tipo de processo que levou os ex-presidentes Lula e Temer à prisão e ajudou a promover o impeachment da presidente Dilma.
Por seu lado, os que defendem o presidencialismo de coalizão argumentam, corretamente, que em regimes parlamentaristas o compartilhamento do poder é comum, cria incentivos para que todos, presidente e partidos, se esforcem para que o governo seja bem-sucedido, repartindo ônus e bônus, e que a corrupção não é inevitável. E tanto Weffort como os cientistas políticos parecem argumentar implicitamente que não há alternativa a esse sistema: ou Bolsonaro se alia a uma maioria de congressistas, ou seu governo fracassará, sendo obrigado a renunciar, ou sendo expelido pelo Congresso.
Esses argumentos fazem sentido. Como defendi neste espaço em 24 de abril, a falta de apoio parlamentar levará à desidratação e ao adiamento da reforma da Previdência, reduzindo os ganhos que daí resultarão em termos de recuperação da confiança, queda dos juros etc. Isso tornará o governo ainda mais refém do Congresso para poder adotar reformas que impeçam piora do quadro econômico.
Também me pergunto se essa narrativa é a única aplicável ao que estamos assistindo. Em especial, se a rendição e a renúncia do presidente são os únicos desenlaces possíveis ou desejáveis para o conflito. Afinal de contas, o presidencialismo de coalizão foi malsucedido em gerar crescimento e estabilidade, política ou econômica, no Brasil. Penso que, pelo menos em parte, exatamente por esse incentivo que tem os partidos da base de manter o Executivo como refém, não adotando reformas que removam de vez as barreiras que limitam o crescimento econômico. E, ainda que a corrupção não seja condição necessária para que esse sistema funcione, não há como negar que no passado ela parece ter estado presente.
É possível que a eleição de Bolsonaro, assim como as manifestações do último fim de semana, revele cansaço da população com esse sistema. Nesse sentido, é interessante notar que, na campanha eleitoral do ano passado, Marina Silva também defendeu uma posição de independência em relação ao Congresso. Essa seria a justificativa para não procurar uma grande base de apoio partidário na campanha.
Alguns membros de sua equipe defendiam, por exemplo, que essa relação deveria se dar em cima de propostas e que, sem romper com o presidencialismo de coalizão, o Brasil permaneceria enredado nos velhos problemas de corrupção e políticas públicas ineficientes. Como foi então colocado, seria um risco romper com o sistema, mas sem isso também não se resolveria o Brasil.
Acho que esse tema merece mais discussão que precisa estar descolada da visão muito negativa que a maioria dos analistas tem de Bolsonaro por boas razões: sua pauta de valores é, na minha visão, um desastre. Como observa Weffort, ;Bolsonaro não é só conservador;, mas ;um reacionário;. Mas o importante aqui não é discutir Bolsonaro, mas se o risco que ele está se propondo a tomar, como prometia fazer Marina Silva, vale a pena. Afinal de contas, nem sempre a volta ao passado é a melhor solução para os problemas do presente.