postado em 01/06/2019 04:05
Nossa Constituição estabelece que União, estados, Distrito Federal e municípios têm a obrigação de garantir percentuais mínimos das respectivas arrecadações paraaplicar nas áreas de educação e saúde. São os chamados recursos vinculados. Desde 1988 essa política vem se mantendo, sendo habitual ouvirmos de seus defensores o argumento: ;Se com esses mínimos a educação e a saúde já estão ruins, imagina se não fosse assim?; Será mesmo? Para responder, proponho uma pequena reflexão.
Se, numa hipótese, durante três anos consecutivos a arrecadação apresentar um crescimento em valores reais, já corrigidos pela inflação, a consequência imediata é o aumento do valor destinado às áreas orçamentárias com exigência de vinculação. Em outras palavras: há um imediato crescimento das despesas que passam a novo patamar, certo?
Porém, desgraçadamente, se nos três anos seguintes a arrecadação sofrer queda significativa, estaremos diante de um problemão: como garantir a manutenção das despesas anteriormente contratadas? É cenário de crise anunciada, muito semelhante à realidade vivida na última década em nosso país. E a maneira como os três níveis de governo têm lidado com essa situação é uma só: aumentar o tamanho do deficit público.
Vejamos um exemplo recente. Segundo dados oficiais do Ministério da Educação (MEC), entre 2003 e 2016, foram construídas mais de 500 escolas técnicas no âmbito do plano de expansão da educação profissional. À primeira vista, uma ótima notícia, certo? Como diria aquele personagem da Escolinha do Professor Raimundo, nem tanto, mestre... Afinal, para aconstrução de uma nova escola o gasto é executado com data pra terminar. Já a manutenção das novas unidades representa despesa permanente com pessoal,material e outros insumos.
Encontramos exemplo semelhante na área de saúde, em que o recurso utilizado para construir uma nova UPA é equivalente, em média, a três meses do que é necessário para sua manutenção. Repito: o valor gasto na construção seria suficiente para apenas três meses de funcionamento da unidade. Não é à toa que, segundo o Ministério da Saúde, em julho de 2018, havia 218 UPAs construídas, mas sem poder entrar em operação por falta de dinheiro.
Como se pode verificar, a vinculação orçamentária não tem garantido melhores resultados para a população nas áreas de saúde e educação. E, para piorar, há váriosestudos sérios demonstrando que, em termos de recursos públicos, os governos gastam muito e mal em diversas áreas. Como sair da sinuca de bico?
Há alguns anos, uma missão formada por secretários de Planejamento de diversos estados brasileiros visitou o Chile. Em um dos encontros com autoridades governamentais daquele país, foi-lhes perguntado quanto a Constituição chilena prevê de percentual obrigatório para aplicar em educação. Surpreso, o gestor chileno respondeu: aqui nós definimos a cada ano quanto deverá ser destinado do orçamento para cada área de governo. E disseram mais: que tinham um planejamento e sabiam quanto precisariam gastar anualmente por aluno para atingir as metas de nível de aprendizado almejadas para os próximos anos. Talvez aqui tenhamos uma parte da explicação sobre o abismo que separa os dois países em relação aos resultados educacionais.
Não há, entre os países mais desenvolvidos do mundo ocidental, a prática de estabelecer políticas públicas com base em vinculação obrigatória de recursos orçamentários. Como foi amplamente divulgado na mídia, na Alemanha o governo federal e os estados
acabaram de tomar a decisão de investir 160 bilhões de euros no ensino superior e na pesquisa científica entre 2021 e 2030. Segundo a ministra da Educação do país, o objetivo principal é garantir a prosperidade a longo prazo.
Portanto, para melhorarmos significativamente nossos resultados nas duas áreas em destaque, é necessário pararmos de tapar o sol com a peneira. Não é a vinculação orçamentária que vai nos tirar do buraco sem fundo em que estamos metidos como país. Muito menos o imediatismo. A solução passa, obrigatoriamente, por um processo de planejamento, com clara e transparente definição de metas de curto, médio e longo prazos, em torno das quais venha a ser estabelecido o volume de recursos necessários para concretizá-las.
Em outras palavras: não há saída. Ou mudamos radicalmente o paradigma da administração pública em nosso país ou só nos restará o conformismo com medidas enganosas que têm servido apenas para premiar a má gestão.