Opinião

A política de blocos e seus dilemas

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 04/06/2019 04:25
Contados os votos de mais de 400 milhões de eleitores de 28 membros da União Europeia, o resultado das recentes eleições para o Parlamento Europeu, um das maiores do mundo, confirma lição por excelência para o Velho Continente. A vitória dos eurocéticos, como se previa e temia, acabou por não acontecer, mas o aumento contundente de vozes dissonantes é fator inquestionável, a gerar perplexidade e preocupação.

Como resultado final, no entanto, e os números são fatos, dois folgados terços de europeus seguem crendo na integração, apesar da era de crises e de incertezas geradas pela insensatez do tempo. Os grupos a favor da União Europeia recuam, por certo, mas permanece incólume a sólida maioria, a contar com democratas cristãos, socialistas, liberais e verdes, principalmente da Alemanha, e verdes de todas as tonalidades.

Em cultura política de índole liberal, como herança da vitória sobre extremismos, em duas guerras mundiais e na posterior debacle da União Soviética, o voto facultativo adotado como dogma acaba por enfraquecer a representação democrática, com imposições artificiosas de maiorias circunstanciais, apenas dos que foram votar, o que, como no Brexit, acaba por conformar irremediável desastre.

Agora, em quase 30 anos de eleições comunitárias, a boa notícia é que a participação popular aumentou, com a cidadania comum fazendo-se de fato sentir. A emergência de graves problemas, das imigrações desordenadas às dificuldades econômicas, a par de terrorismo e incerteza, com lembranças de guerras e de ditaduras, por certo constrangem a maior participação política e a consciência da responsabilidade comum. Na Europa de hoje, o perigo é não votar.

Se, por um lado, extremismos foram vetados pelo sufrágio, por outro, o aumento da representação de nacionalismos é evidente, sintomático da gravidade do momento histórico, com conformação de inusitado cavalo de Troia, com paradoxais ;eurodeputados antieuropeus;, agora como segunda força do Parlamento. Quanto a partidos políticos, o Syriza (da Grécia), o Podemos (da Espanha), a Liga e o Cinco Stele (da Itália), o PiS (da Polônia), o Fidesz (da Hungria) e, maior de todos, o Rassemblement Populaire, de Marine Le Pen, na França, são, a partir dessas eleições, forças políticas de espectro continental, a desafiar e impor novas agendas a reboque de mundo turbulento e imprevisível que se prenuncia.

O futuro da Europa, que significa o futuro de blocos econômicos e de suas comprovadas soluções em prol do desenvolvimento e da segurança coletiva, com distribuição de riquezas e ampliação da classe média, com segurança coletiva conducente à consolidação da paz e à melhoria das condições gerais de vida, como atributos do insubstituível comércio justo e equitativo entre nações, não pode prescindir de políticas comunitárias.

E, se tais lições valem para a Europa, por certo devem valer também para a nossa integração regional, em que o Mercosul, uma vez depurado de equívocos e desvios recentes, deve ser sempre objeto de prestígio político, de fortalecimento e de aperfeiçoamento constante. Avanços matizados pela peculiaridade derivada do modelo presidencialista profundo de seus membros, o que muito nos afasta do modelo europeu, a par de vultosas diferenças conjunturais e estruturais que permeiam os vizinhos ;invizinhos; do Cone Sul, como no feliz neologismo de João Cabral de Melo Neto.

No momento, bem a propósito, em que se anuncia a certeza da conclusão de negociações entre a União Europeia e o Mercosul, para efeitos de iminente firma de acordo de livre comércio, após décadas de frustrados intentos, a prevalência da razão, ainda que tardia, por fim conforta e consola. Como vitória da diplomacia, da negociação e do diálogo, abrem-se canais extraordinários, muito além do imediatismo fariseu do comércio e da economia, a tomar-se em conta valores mais profundos, dos povos e de suas sociedades. E tão importante tratado, com todo seu significado e repercussão, não poderia vir em melhor hora para ambos os lados do Atlântico.

Resta, por fim, crer nas vantagens da integração regional e nas políticas de boa vizinhança como sinalização ao mercado internacional, em especial para países continentais como o Brasil e suas 10 fronteiras. Chegar-se em entendimento de tal magnitude, a envolver a oitava economia do mundo, demonstra a assimilação das lições da história, privilegiando-se a abertura comercial, com solidariedade e com solução pacífica de controvérsias, além de boas práticas de mediação e de arbitragem. Afinal, isso tem sido parte expressiva do efetivo progresso material da humanidade a partir do notável avanço europeu pós-segunda guerra, decorrente, por excelência, da construção comunitária. Números não são opinião.






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