postado em 07/06/2019 04:06
Da Constituição de 1988 saíram inovações que deram o tom da grande virada do país após os anos de ditadura. Hoje, vemos que a virada nem foi o que se esperava em termos de afirmação da democracia em todas as suas dimensões. Ainda andamos em círculos, sem conseguir quebrar a monolítica coleção de ;heranças malditas; passadas e presentes. Uma das piores, o desmonte ambiental, está em gestação, ou melhor, caminha rapidamente para provocar uma desgraça dificilmente reversível, erigida sobre as ruínas do esforço de homens, mulheres, organizações públicas e privadas, legisladores, comunidades, cientistas, apoiado na sólida base conceitual, legal e institucional dada pela Carta.
Das inovações de 88, uma das maiores foi a atualização profunda da compreensão do que é a defesa do meio ambiente, fundada na recolocação da relação seres humanos/natureza no universo social, político, econômico e cultural. Ficamos alinhados com a ponta do pensamento e do conhecimento que, à época, já mostravam os estertores da visão de que o ambiente natural pode ser explorado à exaustão, porque sempre estará disponível até o final dos tempos.
Não é mais preciso argumentar sobre a falácia dessa visão e a armadilha na qual jogou a humanidade. Estamos sofrendo as consequências e, agora, corremos contra o tempo para amenizar ou mitigar os danos. Essa é questão central no mundo inteiro. Para o bem ou para o mal, faz parte da agenda de todos os países, e muitos deles estão avançando rapidamente no caminho de nova compreensão de direitos, desenvolvimento, relações sociais e tecnológicas, à luz da necessidade de poupar recursos naturais e reverter a situação gravíssima, expressa, sobretudo, nas mudanças climáticas aceleradas.
No Brasil, as últimas décadas foram de embate entre os que clamavam por mudanças para tornar mais sustentável o uso dos recursos naturais e os que, do alto de uma combinação sinistra de privilégios, costumes, poder e ignorância, sempre atacaram ferozmente as tentativas para proteger biomas de mais desmatamento, manter a disponibilidade de água, regular atividades econômicas de alto impacto sobre o meio ambiente ou punir infratores renitentes que colocam em risco toda a sociedade em nome de seus interesses particulares.
Os diferentes governos, uns mais, outros menos, deram abertura mínima para a consolidação de avanços, ainda que os retrocessos e as negociatas envolvendo o meio ambiente como moeda de troca tenham sido uma constante. A sociedade e parte dos setores público e privado avançaram muito em mudança de atitudes e práticas. Saiu-se de uma guerra maniqueísta e infrutífera e, com muito sacrifício, sabedoria de todas as partes e lideranças responsáveis, o Brasil atingiu patamar satisfatório no conjunto das tratativas ambientais globais e conquistou respeito como negociador, algumas vezes oferecendo soluções originais para problemas de difícil resolução.
Ao longo dos anos, a Semana do Meio Ambiente sempre foi, entre nós, um momento de reflexão, com comemorações, críticas e propostas. Mas, neste 2019, não só não há nada a comemorar como é o pior momento em mais de 30 anos, porque está em curso uma ação coordenada do próprio governo federal para desmantelar tudo o que foi conquistado e encerrar o jogo no tapetão. Ou seja, decretando a vitória dos que, sem argumentos e sem razão, veem na proteção ambiental apenas um empecilho à realização do lucro imediato, da vontade autoritária, do desprezo visceral pelo interesse público.
Numa estratégia perversa, desistiu de acabar formalmente com o Ministério do Meio Ambiente, mas colocou nele um preposto do setor privado mais atrasado, aquele que nem sequer aceita pagar as multas que deve por atentados diversos ao patrimônio público ambiental. A começar pelo presidente da República. Somos governados por alguém que, ao chegar ao poder, passa a perseguir o funcionário público que, corretamente, no passado, o multou por pescar em área ecológica protegida. Pior ainda, passa a perseguir a própria área protegida, prometendo desmantelá-la para a implantação de um projeto indefensável de todos os pontos de vista, como é a excrescência chamada por ele de Cancún brasileira.
Assim, na pior semana, desde sempre, para a defesa do imprescindível e urgente equilíbrio ambiental, só nos resta o caminho da resistência. Contra a barbárie ambiental, contra o autoritarismo, contra a esperteza, contra a corrupção dos que se aproveitam do poder para meter a mão no patrimônio público ambiental, contra a ignorância arrogante, destrutiva e, esperemos, passageira.