postado em 08/06/2019 04:06
Como não se assustar em ver menores de idade presos em celas que deveriam representar dormitórios? Como não se revoltar com menores de idade privados de liberdade, sem fazer nada que possa reinseri-los na sociedade após cumprirem a pena? São apenas menores, dizem muitos.Pois há, sim, um descompasso total entre a privação de liberdade como medida socioeducativa e a reinserção social posterior, herança maldita de desgovernos. Mas, paralelo a isso, na verdade, há um vácuo perpetrado por uma sociedade permissiva, que não impôs limites ao próprio julgamento sobre o crescimento desenfreado da violência e acreditou que justificar a falta de oportunidades para jovens de baixa renda justifica a ida para o caminho errado, ou melhor, sem hipocrisia, para a bandidagem.
Convivo, há anos, com comunidades. Constato crianças e jovens buscando o estudo, batalhando, apoiando a família quando a tem e, quando não, apoiando-se na ajuda de familiares próximos e de amigos. Não por acaso essas crianças e jovens tiveram as mesmas oportunidades ou a falta delas que os jovens que escolheram ir para o mau caminho.
Há uma forma vil de condenar jovens pobres de comunidades numa banalização da capacidade de reação. Há um populismo aproveitador que vocifera que crianças e jovens de favelas são vítimas e que, por isso, viram bandidos. Não! Eu não posso permitir chamarem de bandidos todas aquelas crianças que encontro na Maré, no Alemão, no Vidigal.
Eu não posso permitir que o senso comum para a criança ou o jovem favelado seja a da falta de oportunidade e, por isso, não vão crescer como verdadeiros cidadãos. Como vou olhar para aqueles milhares de crianças que estão na escola, para aqueles milhares de jovens que estão tentando a faculdade, e para os outros milhares que, mesmo sem educação, buscam um emprego digno para sustentar a si próprios e às famílias? Eu olho para eles de frente, orgulhosa pelo ensinamento que me dão todos os dias.
Há pouco tempo perguntei a uma pessoa por que valorizar tanto o jovem que optou virar bandido na favela em detrimento do jovem que está estudando na favela? Qual a lógica de combate à violência ao defender com intensidade a falta de oportunidades e de não valorizar com a mesma intensidade as famílias que lutam por um futuro melhor para seus filhos com todas as dificuldades? Pare e pense. É preciso inspirar crianças e jovens a seguir caminhos das próprias crianças e jovens dessas favelas que estudam, buscam desenvolver e aproveitar oportunidades em vez de ;passar a mão na cabeça; e justificar a falta de oportunidades para que a criança e o jovem se sintam livres para o caminho da violência.
O simples ato de soltar jovens do Degase que cometeram crimes é passar o atestado para o menino pobre da favela que o crime compensa, que estudar, como ele está fazendo, não leva a lugar algum. Dizer que poderão cumprir a pena em regime domiciliar é ilusão, acreditar que eles não retornarão a cometer crimes, é ingenuidade. Criamos expectativas irreais para justificar algo injustificável. Se aquela falta de oportunidade em que os populistas de plantão justificam todos os seus combates para proteger jovens do tráfico, qual será a justificativa que teremos para fortalecer famílias, crianças e jovens de favelas, para que continuem lutando por um mundo melhor por meio do estudo, do trabalho e da dignidade de ser um cidadão de bem?
Os direitos humanos são para todos, mas para construirmos uma sociedade digna são necessários bons exemplos. E é nos bons exemplos que precisamos fortalecer as crianças e os jovens pobres. Os jovens do Degase, não tenha dúvidas, também querem isso. Alguém que os pare, e que os inspire a mudar de vida. Não será devolvendo-os ao tráfico que vamos garantir que seus direitos não sejam, mais uma vez, violados.