postado em 08/06/2019 04:06
A posição da Igreja diante do Estado não é teocrática nem de resistência ao mal. Se assim fosse, a Igreja absorveria do Estado. Este perderia a autonomia, própria das realidades temporais, proclamada pelo II Concílio do Vaticano. Seria um erro, além de uma utopia, pretender transformar o Estado numa super-Igreja. Nem seria vantajoso para ela, nem benéfico para ele. Por seu lado, a Igreja não pode silenciar em face do mal, como a corrupção, que convive nas estruturas da sociedade. O silêncio seria demissão diante do poder do mal. Não pode deixar de pronunciar-se sobre os aspectos religiosos e morais dos regimes políticos e dos modelos econômicos e sociais.
Daí, porque não deixará de haver tensão, o que não significa, necessariamente, conflito entre o Estado e a Igreja. Os conflitos surgem quando a Igreja interfere indevidamente na missão do Estado, ou quando este não quer reconhecer àquela o direito de juízo crítico em relação aos problemas religiosos e éticos dos problemas sociais. A Igreja interfere indevidamente na área própria do Estado quando se pronuncia sobre problemas estritamente técnicos, ou procura impor um determinado modelo de sociedade ou de regime político. O Estado exorbita de suas atribuições quando tenta reduzir a missão da Igreja à sacristia, retirando-lhe todo papel social.
João Paulo II, no início do pontificado, deixou muito claro que não cabe à Igreja se definir sobre modelos de sociedade ou de regimes políticos, mas somente sobre a dimensão religiosa e moral. Em sua primeira radiomensagem, afirmou: ;Não nos move qualquer intenção de interferência política ou de participação no manejo dos negócios temporais. Como a Igreja exclui o enquadramento em categorias de ordem terrena, assim Nós, ao nos aproximar desses problemas e dos povos, deixaremos levar somente por motivos religiosos e morais. Desejamos trabalhar pela consolidação das bases espirituais, sobre as quais deve se apoiar a sociedade humana;.
E, na homilia da missa que marcou o começo de seu ministério de Pastor Supremo, dirigindo-se aos povos, dizia: ;Não tenhais medo. Antes, procurai abrir melhor, escancarar as portas de Cristo. Ao seu poder salvador abrir os confins dos Estados, os sistemas econômicos, assim como os vastos campos da cultura, da civilização e do progresso;. De fato, através da história, a Igreja tem convivido com os mais diversos regimes políticos e modelos de sociedade. O que ela pede a todos eles é espaço de liberdade para proclamar o Evangelho e denunciar as situações que ofendem a dignidade humana.
Qual é, então, a posição da Igreja em face do Estado? De independência, jamais de subordinação. De colaboração para o bem comum, nunca de subserviência. De respeito ao poder legitimamente constituído, mas de autonomia e liberdade no anúncio do Evangelho. De não interferência em relação aos modelos econômico-sociais e aos regimes políticos de cada povo, mas de atitude crítica em relação à dimensão religiosa e ética desses modelos e regimes. Mas, nas palavras de João Paulo II, preferindo sempre o diálogo cristão ao confronto e não permitindo que suas atitudes e gestos sejam ocasião de manipulação, para que a força da Igreja não se reduza à fragilidade e ao efêmero do temporal;.
A Igreja não tem uma receita para resolver os grandes problemas do mundo, nem mesmo de nosso país. Insiste, contudo, para que todos os cidadãos participem da vida pública, gozando de plena autonomia na elaboração de matérias político-sociais.