Jornal Correio Braziliense

Opinião

No limite da irresponsabilidade

Ainda causa espanto o projeto de lei entregue pelo presidente da República na Câmara dos Deputados que propõe a flexibilização do Código de Trânsito Brasileiro. Em outras palavras, o chefe do Executivo quer premiar os maus motoristas, em especial aqueles que desrespeitam as normas de trânsito, expondo a risco de morte os demais condutores, pedestres e ciclistas.

O argumento principal é ;acabar com a indústria das multas;, o que é um erro. Não existe uma indústria da multa no país. O que existem são condutores infratores que se julgam acima do bem e do mal. Quer acabar com as multas? Conclamemos todos os brasileiros a respeitar as leis de trânsito e, de quebra, viramos exemplo para o mundo em civilidade e segurança viária.

De todas as mudanças ali contidas, vou me atentar a dois pontos que considero uma monstruosidade: o fim da punição para quem transporta crianças sem cadeirinha e o fim da exigência de exame toxicológico para motoristas profissionais.

Começo com um caso concreto. Há pouco mais de uma semana, o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal socorreu uma família vítima de acidente de trânsito no DF. Com o impacto, a cadeirinha na qual a criança era transportada, como prevê a atual legislação, ficou presa às ferragens. Veja a diferença: a cadeirinha, não o corpo da criança. Ela teve ferimentos, mas sobreviveu e não foi a única a ser salva pelo dispositivo.

Em 2017, um ano antes da lei da cadeirinha entrar em vigor, 17 crianças com até 9 anos morreram em acidentes de trânsito no DF. No ano seguinte, com a exigência valendo, esse número caiu para 13 e a redução não foi pontual. A análise histórica reforça que as crianças estão mais seguras quando circulam em tais dispositivos de segurança.

No DF, a média anual de mortes nos oito anos anteriores à lei da cadeirinha (2000 a 2007) foi de 21 óbitos e, nos oito anos seguintes (2008 a 2015), 13 casos/ano. As estatísticas revelam ainda que nos últimos três anos, os dados são ainda menores: 2016, 2017 e 2018 registraram o menor número de mortes de crianças dos últimos 18 anos: foram 10, cinco e três óbitos, respectivamente.

A mudança proposta pelo chefe do Executivo é outro retrocesso no longo caminho que o Brasil tenta trilhar para reduzir a epidemia das mortes no trânsito. O governo federal considera desnecessário o exame toxicológico para motoristas profissionais e, com isso, pode abrir um precedente para derrubar a Lei Seca. Se isso passar, juntamente com o fim das barreiras eletrônicas e pardais, mais gente vai morrer no país!

O projeto do Executivo é um equívoco do princípio ao fim. Diante de tal absurdo, caberá ao Congresso Nacional a missão de impedir o retrocesso que ele representa para os que lutam para preservar vidas. Espera-se que deputados e senadores tenham o bom senso e levem em consideração as pesquisas nacionais e internacionais sobre as causas mais recorrentes de morte no trânsito no Brasil e no mundo. E arquivem essa proposta sob o risco de terem em suas mãos o sangue de centenas e centenas de brasileiros.