Opinião

A arte de governar

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 14/06/2019 04:17
Governar um país, chefiar uma nação, supõe dispor de projeto acoplado a um conjunto de ações que, em ambiente de liberdade, assegure gestão cuidadosa da atividade financeira do Estado e, mediante desenvolvimento econômico e progresso social, o sentimento do povo sobre avanços no nível de bem-estar geral. É esse sentimento que caracteriza a percepção de um bom ou mau governo.

É ainda cedo para um juízo de valor sobre a nova administração federal. Mas não há como negar que as relações entre o Poder Executivo e o Legislativo vivem um clima de desentendimento quanto à criação das leis. Por isso, talvez, valha a pena trazer a lume algumas ideias emanadas do Espírito das leis, do Barão de Montesquieu, um dos iluministas da França no século 18 cuja obra, numa linguagem moderna, constitui um tratado de ciência política.

Montesquieu distingue três sistemas de governo: o republicano, o monárquico e o despotismo. Deixando de lado o último, no monárquico há que distinguir a monarquia absolutista, calcada num regime autocrático (Louis XIV de França, quando diz ;L;Etat c;est moi;) e a parlamentar, que, nem por acaso, foi fonte de inspiração para Montesquieu em sua passagem pela Inglaterra.

Essa distinção, que no sistema republicano, quando autocrático, transforma-se em ditadura, tem muito a ver com a maior ou menor rapidez do processo decisório sobre as iniciativas do Executivo, necessariamente submetidas ao escrutínio das duas Casas do Congresso Nacional, o qual, por seu turno, tem a prerrogativa de produzir decisões que o Executivo deva cumprir. Daí falar-se no ambiente político do Brasil de hoje, em diálogo e articulação, quando, talvez, a palavra mais adequada fosse negociação que, pela malfadada experiência do recente passado, incomoda o presidente da República, mas que poderia ser conduzida em novas bases, sem o sentido de troca espúria, do toma lá dá cá.

A negociação é da natureza do presidencialismo de coalizão, expressão hoje consagrada, proposta pelo cientista político Sérgio Abranches. Seja como for, sem maioria na Câmara e no Senado e em face de um número desmesurado de partidos políticos, a tomada de decisão é demorada para chegar a algo concreto no domínio do Legislativo, haja vista a demora no exame e aprovação da reforma da Previdência.

A tecnologia da informação, que é a base da internet, permitiu a construção das redes sociais, e o presidente da República, coadjuvado pelos membros mais próximos da família, as utilizou inteligentemente durante sua vitoriosa campanha eleitoral. Não seria, porém, aconselhável usá-las para pressionar o Congresso, colocando contra as cordas os novos parlamentares na Câmara e no Senado, pois esse expediente envolve alto risco de acirrar embates institucionais. Seria mais prudente revisitar Montesquieu e recolher do Espírito das leis a parte que se refere à harmonia entre os poderes. É essa harmonia que converte em arte a ação de governo.



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