Opinião

Quinto constitucional: política e história

postado em 17/06/2019 04:17

O Plenário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios admitiu, em 31 de maio, rever o seu Regimento Interno e excluir antigas distinções entre desembargadores de carreira e desembargadores do ;Quinto constitucional;, expressão que identifica os magistrados oriundos do Ministério Público e da Advocacia. A propósito, o presidente de uma respeitável Associação de Magistrados formulou uma pergunta no Correio (19/5): ;Quinto constitucional: até quando?; Já houve resposta adequada do Presidente Nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, no Correio (2/6). Retomo o tema sem fazer uma retorção raivosa, que alimentaria o maniqueísmo daquela questão, resumido em uma frase sartriana: ;O (Quinto do) inferno são os outros!”

O Quinto ;não é uma reminiscência monárquica para premiar os amigos do rei;. A Constituição do Império, de 1824, não cuidou desse tema. Tampouco a primeira Constituição Republicana, de 1891. Trata-se de proposta nascida da inteligência de João Mangabeira, deputado pela Bahia, membro da subcomissão do anteprojeto de constituição, de 1933. Graças a ele, o ;6; do art. 104 da Carta de 1934 determinou: ;Na composição dos tribunais superiores serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do ;3;;. Essa participação foi repetida em todas as demais Constituições brasileiras, com pequenas variações. No STJ a proporção atual é de um terço.

Classificado como direito institucional do MP e da OAB, a investidura tem a participação do respectivo tribunal, que reduz a lista sêxtupla, elaborada pela classe, para uma lista tríplice, base de escolha do Poder Executivo, não havendo ;negociata; com presidente de tribunal, governador ou com o presidente da República, mas um ato administrativo complexo.

No 1; Encontro Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e Presidentes de Associações do MP, foi aprovada a Carta de Curitiba, de 21/6/1986, encaminhada à Assembleia Nacional Constituinte, com expressa abordagem do tema: ;Na composição de qualquer tribunal, um quinto dos lugares será preenchido por membros do Ministério Público e advogados, todos em efetivo exercício, bem como de notório merecimento e idoneidade moral, com 10 anos, pelo menos, de prática forense, indicados em listas tríplices elaboradas pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil;.

Na revisão constitucional de 1994, também foi proposto o fim da prerrogativa dos tribunais de filtrar as listas. Em sentido oposto, propuseram a extinção da lista sêxtupla; a lista tríplice seria formada livremente pelos tribunais, como ocorreu em constituições anteriores e ainda prevalece no preenchimento de vaga de jurista dos tribunais eleitorais.

Em setembro de 1999, a comissão destinada a analisar a proposta de Emenda à Constituição n; 96-A/92, à qual foram apensadas as PECs n.; 112-A/95, n.; 127-A/95, n.; 215-A/95, n.; 368-A/96 e n.; 500-A/97, sob a relatoria da deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, cogitou eliminar as listas sêxtuplas e tríplices, passando-se à indicação uninominal, direta dos órgãos de classe ao Poder Executivo. Todas essas iniciativas revisionais foram encerradas sem alterar a Constituição de 1988.

No direito comparado, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal conta com conselheiros, título equivalente ao de ministro, oriundos do MP e da Advocacia. A Constituição italiana, de 1948, prevê, no art. 106-3, a nomeação de professores de Faculdades de Direito e Advogados com 15 anos de profissão e notório saber para a Corte de Cassação, o Supremo daquele país, que tem carreira única para a magistratura. São magistrados os procuradores e os juízes que podem mudar de função, de juiz para procurador e vice-versa.

O autor do mencionado artigo ofendeu nossa dignidade ao afirmar, entre tantos insultos desnecessários, que colocamos ;em risco a verdadeira e honesta prestação jurisdicional;. Honestidade e respeito à Justiça e aos cidadãos são valores sustentados por todos nós. Não somos estranhos morais dos nossos pares. Não toleramos e não nos contaminamos com desvios de conduta de qualquer magistrado. A lei é para todos.

Rui Barbosa, nome da ;Casa onde mora o Tribunal de Justiça do Distrito Federal;, mestre e amigo de João Mangabeira, tem lição para os nossos dias: ;Quem dá às Constituições realidade, não é, nem a inteligência, que as concebe, nem o pergaminho, que as estampa: é a magistratura, que as defende;.

Foi o que decidiu o nosso plenário naquela memorável sessão. Empossados, somos todos juízes, com os mesmíssimos deveres. Sou testemunha desse compromisso de pertencimento que recebo dos meus colegas na carreira que abracei, quando havia adquirido o direito de aposentar-me como procurador de Justiça, com todos os meus deveres cumpridos no Ministério Público. Em vez de construirmos muros, a Constituição Cidadã espera que sejamos a ponte. A magistratura deve ser inclusiva. Discursos de secessão, apartheid e intolerância não têm mais lugar no Mundo. Casos pontuais não passam de factoides.

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