postado em 20/06/2019 04:17
Deixe seu filho chorar, berrar, reclamar, resmungar. Só não permita que a birra o faça soltá-lo da cadeirinha do banco traseiro do carro. Porque o fato de ele estar acomodado corretamente nesse equipamento de segurança vai diminuir em 60% as chances de ele morrer em caso de acidente. Como você ama seu filho, você concorda racionalmente com todos esses argumentos. Mas eu sou pai. E sei bem o que é dirigir com uma criança berrando no banco de trás porque não quer ficar presa. É de enlouquecer, mesmo sabendo que, uma hora, ela vai parar.
Foi para evitar situações como essa que, desde 2008, o uso da cadeirinha para bebês e crianças passou a ser obrigatório no Código Nacional de Trânsito Brasileiro. E, em caso de descumprimento, infração gravíssima (sete pontos na carteira), com multa hoje estipulada em R$ 293,70. A medida produziu bons resultados.
Segundo o Ministério da Saúde, entre 2008 e 2017, as mortes de crianças nessa faixa etária que estavam em veículos acidentados diminuíram 12,5%. No mesmo período, nada menos do que 75.183 menores de até nove anos foram hospitalizados em decorrência de acidentes de trânsito.
Apesar de termos avançado nos últimos anos, ainda existe longo caminho pela frente. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 57% das crianças brasileiras usavam em 2018 esses dispositivos de segurança em seus trajetos. Já na Alemanha, o percentual era de 98%.
Ainda segundo a OMS, ao se aplicar penalidades leves ou multas muito baixas, é fundamental evitar que essa decisão transmita a mensagem de que práticas ilegais e perigosas de direção são toleráveis. Ou seja, o afrouxamento dessa regra pode prejudicar um trabalho de educação no trânsito, que está sendo desenvolvido ao longo dos últimos anos e apresenta resultados palpáveis, que se traduz na redução real de mortes e lesões graves em decorrência de atitudes imprudentes.
Por tudo isso, por mais que eu apoie o presidente Jair Bolsonaro e seu governo, é impossível ficar a favor da proposta de eliminar a multa para quem transporta crianças sem cadeirinha, tendo em vista que, para muitos, a parte mais sensível do corpo humano é o bolso, não basta manter a perda de pontos na carteira. É preciso, sim, haver também punição pecuniária. Estamos falando de seres humanos vulneráveis. Crianças. Bebês. Não cabe apenas aos pais protegê-los, mas também ao Estado, e toda a sociedade.
Da mesma forma, não consigo compreender a proposta feita no mesmo pacote de pôr fim aos exames toxicológicos nas estradas para motoristas das categorias profissionais C, D e E para obter e renovar a Carteira Nacional de Habilitação. Um caminhão, uma van ou um ônibus (inclusive escolares) viram armas letais se conduzidos por viciado em drogas ou álcool.
Além disso, caso a proposta de acabar com o exame toxicológico apresentada pelo presidente seja aprovada, possivelmente os seguros de ônibus e caminhões ficarão mais caros. As seguradoras entendem que, sem os exames, a exposição ao risco de acidentes cresce, logo, o valor da taxa precisa aumentar para cobrir os custos.
No Brasil, 99 pessoas morreram no trânsito diariamente em 2017, totalizando 36.429 vidas perdidas. São famílias destruídas, pais que ficam sem os filhos e crianças que se tornam órfãs. Perdas evitáveis.
Para quem acredita que a conduta do indivíduo no trânsito só diz respeito a si mesmo, o Observatório Nacional de Segurança Viária traz um dado importante: os acidentes de trânsito no Brasil custam R$ 52 bilhões anuais ao Estado. Esse custo significa o quanto cada cidadão desembolsou durante todo o ano, uma vez que os gastos com os acidentes de trânsito (hospitais, médicos, infraestrutura, medicamentos, pronto-atendimento) são pagos, em grande parte, por meio de impostos.
Ao todo, foram 16 mudanças apresentadas pelo governo ao Código de Trânsito, a maior parte delas pertinentes e merecedoras de saudável discussão no Congresso Nacional. Mas o equívoco cometido nesses dois pontos contamina o debate. Isso tem sido um problema recorrente de um governo que precisa dar certo, pelo bem do Brasil.