postado em 22/06/2019 04:17
A necessidade de se expressar por meio da arte é inerente ao ser humano, seja ela como for, a fim de despertar e estimular níveis de consciência e causar efeitos. Desde a pré-história, por meio de pinturas rupestres, o homem já representava a realidade sob sua percepção. Mais tarde, de acordo com o contexto histórico, as expressões artísticas foram espalhando-se pelos centros urbanos através de música, teatro, dança ; sempre a partir de um senso estético, com artes pautadas em críticas sociais, políticas e econômicas.
Originalmente chamada de street art, a arte visual de rua, ou arte urbana é uma forma de expressão artística que se destacou na década de 1970, nos Estados Unidos, ao migrar de lugares tradicionalmente destinados às manifestações artísticas, como teatros, cinemas, bibliotecas e museus, para o cotidiano das ruas. Trata-se de uma linguagem expressiva autoral, ativista e polêmica, que surge para livremente opinar e alterar o entorno das cidades nos mais diferentes suportes.
Esse tipo de arte chegou ao Brasil nos anos 1980, por meio do grafite nas paredes da cidade de São Paulo, curiosamente durante a ditadura militar, um período de repressão política e artística. Era, na época, o grito silencioso de uma geração cuja liberdade de expressão havia sido caçada pelo regime, quando o grafite era considerado crime pela legislação brasileira.
Essa dialética socioespacial como importante instrumento de representação da cidade revelou talentos ocultos, transformou locais históricos e humanizou ambientes urbanos, a exemplo do próprio Muro de Berlim. Símbolo da guerra fria, hoje, o local virou o East Side Gallery, grande galeria de arte a céu aberto com grafites que retratam tanto as dores da divisão das Alemanhas quanto questões políticas e sociais da atualidade.
Há uma independência assombrosa da arte de rua em relação a hierarquias críticas e a circuitos comerciais ; independência mantida mesmo pelos veteranos que, descobertos nas ruas, já são estudados e codificados pela academia e têm os trabalhos expostos em galerias e museus pelo mundo, dos quais, no Brasil, existem pelo menos 50 de primeiríssima qualidade.
No Brasil, assim como em muitos outros países, o assunto ainda é polêmico. Conforme o artigo 5; da Constituição, todo cidadão é livre para se manifestar artisticamente. Em 2011, o Decreto 52.504 regulamentou o exercício artístico nas vias públicas da cidade de São Paulo, e a Lei 10.277/11, em Belo Horizonte, regulamentou essas manifestações no mesmo ano. Em São Paulo, berço da street art brasileira, a cultura do grafite é muito forte. Obras da dupla Os Gêmeos e dos paulistanos Cranio, Kobra e Speto preenchem muros e edifícios da capital.
Ao longo do tempo, os instrumentos e os suportes da arte visual de rua foram ampliados, especialmente nas últimas décadas. Softwares de design permitem que desenhos sejam criados por meio de programas de computador, a web art, antes de irem para as ruas. Obras à mão são, hoje, apenas uma forma da expressão artística, à qual se somam projeções holográficas, videoarte, animações, colagens, instalações artísticas, entre outros.
Como um todo, essa ou qualquer outra arte não necessita de legitimação ou reconhecimento de instituições consolidadas para existir. Independentemente de qualquer categorização, a arte visual de rua tem sua força, alcança um vasto público e, sobretudo, com ou sem apelo estético, tem seu objetivo alcançado: transmite a mensagem e suaviza a monotonia dos percursos habituais do dia a dia urbano.
E justamente por essa força que, neste ano, a 64; edição do tradicional Prêmio Fundação Bunge contemplará a arte visual de rua como tema para uma de suas áreas homenageadas. Com o propósito de incentivar a inovação e disseminar conhecimento, o prêmio reconhece profissionais que contribuem para o desenvolvimento da cultura e das ciências no Brasil, além de estimular novos talentos.