Opinião

Sacerdócio ou profissão?

postado em 28/06/2019 04:05

Nesta semana tivemos o lançamento da edição 2019 do Anuário da Educação Básica, um relatório elaborado pela associação civil Todos Pela Educação, utilizando dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É um trabalho primoroso! Entre as valiosas informações ali presentes, temos alguns números alarmantes: cerca de 1,5 milhão de jovens entre 4 e 17 anos estão fora da escola; de cada 100 crianças que ingressam na escola, 64 concluem o ensino médio aos 19 anos, e ao final dessa etapa, apenas 29,1% têm aprendizagem adequada em português e 9,1% em matemática. É uma situação estarrecedora, mas quero tratar de uma das questões mais relevantes para que consigamos dar o salto que o país precisa nessa área: a atividade docente.

Segundo o Anuário, em 2018 eram 48.455.867 matrículas, sendo 39.460.618 na rede pública e 8.995.249 na rede privada. Tínhamos 2.226.423 docentes no território nacional, sendo que 79,9% têm curso superior completo e 36,9%, pós-graduação.

À primeira vista, esses números parecem indicar a inexistência de graves problemas quanto à formação. Só que não! Temos o hábito de medir o conhecimento, principal ou exclusivamente, pela titulação acadêmica. Em outras palavras, o fato de uma pessoa ter graduação completa confere a ela, automaticamente, um atestado de competência. Se for pós-graduada, então, é quase incontestável. Porém, se analisarmos as competências necessárias para uma educação transformadora e sintonizada com as mudanças radicais vivenciadas pela sociedade no século 11, ouso afirmar que a maioria do corpo docente na educação básica não está preparada adequadamente, especialmente em grande parte rede pública.

Outra informação fundamental para entendermos a situação brasileira foi revelada na Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgada dia 19 último: professores e professoras brasileiras recebem os piores salários em um universo de 48 países avaliados. Além disso, ao contrário de outros países, os profissionais de educação no Brasil não têm diferença de salário ao longo da carreira. Nesse sentido, o Anuário aponta que R$ 3.823 era a média salarial nacional da atividade docente em educação básica na rede pública, em valores de dezembro de 2018 corrigidos pelo INPC. Não custa lembrar que o piso nacional definido pelo MEC para 2019 é de R$ 2.577,74 para uma jornada de 40 horas semanais.

Faço, então, uma primeira pergunta: com esse nível de remuneração, aliado ao crescente nível de desgaste físico e emocional, é uma atividade atraente para jovens que buscam um futuro profissional promissor? Para responder, recorro a uma pesquisa de 2018 do Todos pela Educação, em que salta aos olhos a seguinte informação: 49% dos professores não recomendam a profissão! Percebe-se que é uma atividade profissional cada vez menos valorizada, não apenas por governantes, mas pela sociedade em geral.

Como resolver essa situação? Tenho falado há algum tempo sobre a proposta de se criar a carreira nacional de docente da educação básica, com competências e atribuições bem definidas que justifiquem uma remuneração capaz de atrair novos talentos. Ainda que não seja exclusivo, a remuneração é um dos principais fatores que influenciam a escolha de uma carreira por jovens. Qualquer profissão que pague ótimos salários tem mais chance de atrair estudantes com melhor desempenho.

A criação de uma carreira pública unificada nacional, como parte de uma política de Estado (não de governo), precisará enfrentar alguns desafios. O primeiro é estabelecer um processo de transição que permita combinar a contratação de novos talentos ao mesmo tempo em que profissionais do magistério atualmente no serviço público passem por um processo de seleção rigoroso como requisito para ingressar na nova carreira. O segundo é garantir que o processo de implantação seja amplamente discutido pela sociedade e tenha por base um planejamento para os 20 anos seguintes, com metas desafiadoras, indicadores claros e responsabilidades bem definidas.

Claro que pode ser apenas um sonho e que haja um risco muito grande de continuarmos a ver a maioria de docentes e da sociedade repetir, com orgulho, que o magistério é, acima de tudo, um sacerdócio. Por mais que possa parecer uma citação elogiosa, na verdade, serve apenas para que tudo continue como está. Se quisermos que nosso país mude de patamar, precisamos sair do sacerdócio em direção a uma profissão respeitada e valorizada.



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