Opinião

Os olhos ainda condenam

postado em 03/07/2019 04:06
Uma minissérie da Netflix lançada em maio tem dado o que falar. Dirigida pela cineasta norte-americana Ava DuVernay, a produção Olhos que condenam, apesar de mostrar uma história ocorrida há 30 anos, é extremamente atual.

A produção tem como base a história de Antron McCray, Kevin Richardson, Korey Wise, Raymond Santana e Yuseff Salaam, que foram acusados e presos pelo estupro de uma mulher no Central Park, ocorrido em 19 de abril 1989. Todos eles cumpriram a pena de cinco a 14 anos de reclusão. Só que nenhum deles era o autor do crime.

Apesar de quatro terem estado na noite no Central Park, nenhum era considerado suspeito. Dos cinco, um deles sequer estava no parque na noite do crime. Korey Wise foi à delegacia apenas para acompanhar o amigo Salaam.

Mas como isso aconteceu? Não há outra forma de explicar do que com o próprio título em português da minissérie. É a condenação que ocorre primeiro com os olhos. Os cinco tinham duas características em comum: o local em que moravam, o bairro Harlem, e a cor da pele. Cor essa que, no Brasil, e em praticamente qualquer lugar do mundo, é sinônimo de uma sentença: o maior número de jovens mortos e da população encarcerada e periférica.

E posso provar isso trazendo para a nossa realidade. Segundo o Atlas da Violência de 2019, 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil (o país que mais mata no planeta com arma de fogo) são jovens negros. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional divulgados em 2018, a população carcerária do país (a quarta maior do dmundo) é composta por 61,7% por pretos ou pardos.

Isso faz com que a população negra seja praticamente invisível no Brasil e em qualquer lugar da Terra. Por isso, só cinco jovens com essa cor de pele poderiam passar pelo inferno que passaram durante 13 anos até que o verdadeiro culpado do estupro admitisse o crime.

E tudo isso aconteceu sem provas e da maneira mais horrenda: eles foram obrigados a admitir o crime que nunca cometeram coagidos pela polícia, sem a presença dos pais e de advogados. Essa foi a ;prova; que mais pesou.

Esse é o tipo de história que não deve ser esquecida. É difícil falar dela. É mais difícil ainda assisti-la. Mas é de uma necessidade imensa ser representada. Ava DuVernay quis criar um catalisador para uma conversa, para uma mudança. E ela conseguiu. E por que isso é importante? Para que a cor da pele de alguém não seja uma sentença assim que os olhos a enxerguem.




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