postado em 15/07/2019 04:23
Toda vez que uma grande tragédia acontece, a sociedade exige punição. Dentro dessa lógica, opera o chamado direito penal de emergência, surgido nos anos 1980, na Itália, quando o país resolveu fechar o cerco contra a máfia. Refere-se à ideia de lançar medidas jurídicas radicais a fim de combater uma situação extrema. O mesmo conceito é invocado por governos ou por legisladores, quando criam ou alteram normas e leis para dar conta de um problema pontual, uma catástrofe, por exemplo. Ocorre que, muitas vezes, na pressa de aplacar a ira ou comoção social e na ausência de um debate aprofundado, autoridades baixam leis e normas surperrestritivas que não atacam o problema e que provocam graves danos colaterais.
Um caso típico foram as mudanças na legislação sobre a segurança de estabelecimentos, como bares e boates surgidas depois do acidente ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 2013, que matou 242 pessoas. O impacto da tragédia provocou mudanças de leis nas esferas federal, estadual e municipal, dificultando especialmente a obtenção dos alvarás de funcionamento. O resultado foi tão restritivo que, diante da quase impossibilidade de se operar empreendimentos do gênero, a lei acabou flexibilizada três anos depois de promulgada. Legisladores se deram conta, então, de que o problema nunca foi a falta de regulamentação, mas de fiscalização eficiente.
Fenômeno semelhante ocorre com parte dos projetos de lei (PLs) e de emenda à Constituição (PECs) que trata da atividade mineradora e que tramita em regime de urgência no Congresso Nacional. Todos surgidos em resposta aos desastres nas cidades de Mariana e de Brumadinho, em Minas Gerais (acidentes provocados pelo rompimento de barragens de rejeitos). Em comum, esses projetos podem inviabilizar a atividade mineradora e a industrialização da bauxita no Brasil, ao partir do pressuposto de que todos os tipos de mineração são iguais.
É ponto pacífico que algo precisa ser feito para garantir uma gestão segura das barragens de rejeitos. A Associação Brasileira do Alumínio (Abal) é a favor do aprimoramento dos controles e da capacidade de fiscalização do Estado. A Agência Nacional de Mineração, depois de realizar uma consulta pública, está propondo mudanças na estrutura regulatória do setor. É assim que deveríamos avançar. No entanto, boa parte dos PLs e PECs traz propostas que em nada melhoram as questões de segurança e, caso venham a ser transformados em lei, farão subir às nuvens os custos das operações, inviabilizando-as.
Cito dois exemplos: a ideia de se instituir um seguro geral contra o rompimento de barragens; e a volta da tributação sobre o mineral exportado (abolindo a Lei Kandir). São medidas que não atacam o cerne da questão: ou pela impossibilidade de operacionalização ou por seu caráter meramente arrecadatório. De novo, aqui tocamos no ponto das ações punitivas.
A mineração da bauxita tem especificidades distintas das demais cadeias minerais metálicas. A maior parte da sua produção, 75%, é industrializada aqui mesmo, gerando empregos e tributos ao país. Seus padrões de sustentabilidade estão em linha com o que há de mais avançado no mundo. Nossas empresas são referência em reabilitação de áreas mineradas e em boas práticas de sustentabilidade.
Mesmo assim, se encontra sob intensa pressão, como o resto de toda a cadeia produtiva do alumínio. A precária infraestrutura do país, os altos custos logísticos, a insegurança jurídica provocada pelo cipoal regulatório, o custo proibitivo da energia, entre outros fatores, vêm minando a competitividade da indústria nacional. Uma eventual elevação tributária ou medidas ainda mais restritivas à mineração indistintamente podem solapar a estrutura de custos das nossas lavras, levando à paralisação da sua produção. A mineração de bauxita terá, então, se transformado no dano colateral de uma guerra em que todos perdem. O clamor de punição da sociedade vai ser aplacado? É isso mesmo o que nós queremos para o País?