postado em 15/07/2019 04:23
Acolhendo pedidos de Defensorias Públicas estaduais, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin estendeu os efeitos de decisão liminar proferida no HC 143988, determinando a retirada de adolescentes infratores de unidades de internação que estivessem com lotação superior a 119%, nos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro. A decisão originária determinou a soltura em unidades localizadas no Espírito Santo.
Salvo vozes isoladas elogiando a decisão (e preocupa o silêncio dos bons, referindo-se às inúmeras associações criadas para defender os direitos das crianças e adolescentes, lembrando parte da célebre frase pronunciada por Martin Luther King Jr), várias opiniões foram emitidas, condenando a decisão do ministro do STF.
Chama atenção, nas críticas, o fato de elas virem de ocupantes de cargos públicos relevantes no sistema de Justiça, principalmente, de pessoas que, presumidamente, tenham a exata noção sobre o que venha a ser viver em um Estado democrático de direito. Ainda que possa parecer segredo para alguns, é fato que, independentemente de qualquer orientação ideológica ou de qualquer cor ou classe social, todos nós precisamos observar o que está previsto em lei, gostemos ou não de seus preceitos. Se ela foi votada pelo Parlamento, sancionada pelo chefe do Poder Executivo, com fundamento constitucional válido, não se pode tergiversar sobre o não cumprimento de uma lei, ainda que possa haver supostas boas razões para tanto.
A par disso, convém pontuar que não se viu argumentação que pudesse negar a validade constitucional da decisão atacada midiaticamente. Todos ressaltaram ser a decisão contrária aos interesses da sociedade, na medida em que estaria o STF colocando em liberdade adolescentes criminosos contumazes (sem eufemismo). Assim, para os críticos, a base da atuação do sistema de justiça precisa estar calcada na defesa da sociedade. Pouco importa o que o Congresso Nacional validamente estabelecera em lei. A mensagem pode ser assim resumida: esqueçam o que diz a lei e a Constituição Federal.
Diante desse cenário, o sistema de Justiça precisa ouvir a voz que vem da rua e atendê-la, pouco importa o que os eleitos pelo mesmo povo pensam sobre isso, ao legislarem. Se o povo quer que transformemos o sistema socioeducativo em um produto semelhante ou igual ao sistema carcerário, vamos trabalhar para que os supostos anseios da sociedade sejam alcançados. Unidades de internação podem e devem ficar superlotadas, tal como os presídios. Afinal, todos cometem crimes. Todos podem viver como bichos, amontoados em espaços diminutos. Só não se sabe se isso vai resolver o problema da segurança pública. Aliás, a sensação de segurança, nos estados atingidos pela decisão, não aparenta estar nada boa.
A par da carência de legitimidade para falar em nome de toda a sociedade, um problema antropológico que esse tipo de pensamento pode enfrentar decorre do fato de haver divergência, mais do que natural, num país marcadamente plural como o Brasil. Em país tão polarizado atualmente, o que é melhor para o povo? Do lado de que povo o sistema de Justiça ficará? Do lado dos que têm propensão à esquerda ou dos que estão ligados mais à direita? Do viés político que está no poder ou do viés político da oposição? A escolha de lado que não seja o da lei demonstra o quão perigoso é o sistema de justiça exorbitar de seus poderes, não observar a base estruturante de um estado democrático de direito e arvorar-se em guardião da sociedade.
Por isso, é preocupante ler e ouvir comentários de profissionais que fizeram juramento de defender a Constituição e as leis, condenando a decisão do ministro Fachin, pois o que ela fez foi tão somente aplicar uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República. E ainda em vigor. Até o presente momento, não se tem notícia de o inciso II do artigo 49 da Lei 12.594/2012 ter sido declarado inconstitucional ou revogado. Se o dispositivo ainda é válido, deve ser aplicado. Aliás, deveria ser desde 2012.
Talvez, se o dispositivo citado tivesse sido aplicado desde sua vigência, a realidade nos estados atingidos pela decisão provavelmente seria outra. Mas nunca é tarde para fazer o correto. E o certo, até que sobrevenha mudança legislativa, é cumprir a lei. E essa diz ser direito do adolescente, perigoso ou não, santinho ou endiabrado, violento ou não, cumprir sua ;pena; em unidade de privação de liberdade em que haja vaga. Assim, não havendo vaga, a lei manda transferi-lo para programa de medida em meio aberto. E isso ainda que o ato infracional tenha sido praticado com grave ameaça ou violência à pessoa.
Diante desse quadro, assusta que integrantes do sistema de Justiça, obrigados, institucionalmente, a respeitar e seguir as leis, reprovem juiz da Suprema Corte que aplica a lei. Evidente que o direito de se expressar é sagrado. Mas, antes disso, convém que se reflita: e quando a lei nos for benéfica, a quem vamos recorrer, se o juiz não a aplicar em nome da sociedade? Se o juiz não puder decidir com base nas leis, esqueçam a independência dos poderes! Esqueçam a imparcialidade do juiz! Esqueçam a Justiça! Ela será feita com base na força e no subjetivismo.