Opinião

Provas ilícitas não podem embasar investigações ou processos

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 21/07/2019 04:05
Há uma especulação em relação aos desdobramentos jurídicos decorrentes do material obtido pelo site The Intercept, envolvendo supostas conversas entre interlocutores da Lava-Jato, notadamente o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, além de outros personagens. Já se disse, por exemplo, que provas ilícitas podem ser usadas para absolver acusados. Cogita-se que a Operação Lava-Jato possa vir a ser impactada com absolvições em série ou que o ex-juiz Moro possa ser declarado suspeito no processo do ex-presidente Lula. O próprio Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) investiga procuradores com base nesse material obtido por meios criminosos. O art. 157 do Código de Processo Penal proíbe uso de provas ilícitas, na linha do estabelecido pela Constituição Federal (art. 5;, inc. LVI).

De acordo com as manifestações dos interlocutores envolvidos nas conversas interceptadas, tais mensagens não foram reconhecidas como autênticas, e são provas ilícitas, devendo ser desentranhadas dos autos dos processos onde forem juntadas. Desse modo, inviável abrir investigação ou processo com base em provas ilícitas, obtidas por meios criminosos. E seria inadmissível também decretar suspeição de magistrado com suporte em material ilícito cuja autenticidade não é passível de ser reconhecida. Para checar essa autenticidade das conversas, seria necessário invadir a privacidade dos interlocutores, e o suporte para tanto seria a prova obtida por organização criminosa em detrimento do Estado de direito ou, na melhor hipótese, por pessoas interessadas em anular processos judiciais.

Esse método arbitrário de apurar e investigar crimes com suporte em provas ilícitas produzidas com má-fé seria impensável. Como se percebe, a averiguação da alegada suspeição do ex-magistrado suscitaria a necessidade de verificação da autenticidade do material utilizado pelos veículos de comunicação, material esse produto de invasão à privacidade alheia.

Basta imaginar o absurdo de um ataque similar a todos policiais, magistrados e membros do Ministério Público do Brasil, seus computadores ou celulares e, depois da invasão, o desencadeamento de investigações com suporte em informações detectadas nos materiais subtraídos das autoridades. Jamais se poderia fomentar essa espécie de investigação criminosa por organizações paraestatais, com invasões ilícitas de equipamentos de agentes públicos, alimentando objetivos de desestabilizar um país.

Em havendo invasões ilícitas e dolosas, as provas oriundas dessas interceptações espúrias são inválidas, não se prestando a embasar sequer abertura de investigações. Consta, aliás, que no material em poder de alguns veículos de comunicação há supostas conversas entre jornalistas e suas fontes, bem como diálogos entre autoridades públicas envolvendo operações sigilosas de Estado, com potenciais manipulações por terceiros. Curioso que haja recusa dos veículos em submeter o material a um teste de autenticidade por órgão oficial, o que torna ainda mais suspeita a origem do próprio material.

O Supremo Tribunal Federal (STF) admite produção de provas ilícitas em legítima defesa, quando estas provas forem autênticas. Com efeito, há provas ilícitas que consubstanciam efetivas provas cabais (por exemplo, busca e apreensão de materiais absolutamente fidedignos e incontroversos que inocentam, de plano, alguém). Não é de modo algum o que acontece no caso retratado pelo site The Intercept. Aqui, o material noticiado é, inclusive, editado e manipulado, sua autenticidade é duvidosa. Não se mostra possível deflagrar uma investigação contra alguém com base nesse material ilícito e espúrio.

No caso em exame, o material produzido não teve sua autenticidade reconhecida ou atestada e, portanto, não constitui prova cabal que revela a inocência de um acusado, na medida em que é prova imprestável. Assim, juridicamente são inúteis as informações divulgadas pelo The Intercept, ressalvada a perspectiva de responsabilização dos invasores e seus parceiros.



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