postado em 24/07/2019 04:06
O primeiro ano de um novo governo é um momento especialmente propício para se rediscutir a complexa agenda de reformas que o Brasil vem arrastando há pelo menos duas décadas. A aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara animou o debate sobre a reforma tributária, que sempre foi vista com ceticismo. Apesar de ser tratada com menos urgência, a reforma tributária está no rol das mudanças que aumentam a produtividade do país. Possuímos hoje uma estrutura tributária complexa, pouco transparente, e repleta de insegurança jurídica. Justamente devido a essas características, o sistema tributário deve ser alterado com parcimônia. A proposta de recriação da extinta CPMF, por exemplo, usa sua simplicidade e a possibilidade do aumento da base tributária como justificativas, mas encobre o seu maior risco: retardar o início de nossa recuperação econômica com a manutenção da inflação baixa.
Atualmente, o setor público extrai da economia tributos correspondentes a quase 35% do PIB. Uma indagação importante que se colocou no fim do governo Dilma, quando a sociedade entendeu que era necessário um forte ajuste fiscal para que o país não quebrasse, era em que medida uma elevação da carga tributária poderia contribuir para o ajuste necessário. A reforma da Previdência ganhou o apoio de uma parcela relevante da sociedade, ecoada nos números que a Câmara apresentou este mês, entretanto, o aumento da carga tributária é repelido de forma quase que uníssona. É consenso que precisamos dar lugar a formas de tributação menos primitivas, compatíveis com a eficiência, a competitividade, a equidade e o crescimento econômico. Devemos estabelecer, com urgência, uma maneira mais racional de extrair recursos da economia, remodelando nosso tosco sistema tributário.
No que diz respeito à tributação sobre bens e serviços, as propostas de reformas defendidas hoje pelo Legislativo voltaram a ser norteadas pela mesma premissa básica que inspirou várias propostas defendidas tanto pelo Executivo quanto pelo Congresso, desde a década de 1990. Apesar das divergências existentes entre as propostas, todas partiam do mesmo diagnóstico: a reforma que se faz necessária requer a eliminação dos tributos cumulativos, tais como o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, além da introdução de uma nova forma de taxação indireta, centrada em um imposto sobre o valor adicionado (conhecido como IVA). O IVA é uma forma reconhecidamente eficaz e racional de tributação nos mais diversos países. Ainda assim, tem seus problemas: não assegura a progressividade e afeta sobremaneira setores com baixa carga tributária, como é o caso de vários serviços. Se o IVA incluir os impostos estaduais, precisará ainda ser distribuído entre os entes federativos, de acordo com alguma métrica a ser estabelecida.
Esse diagnóstico não parece encontrar eco no Executivo que, desta vez, está propondo a recriação da CPMF. O tributo sobre movimentações financeiras é altamente cumulativo, pois incide sobre bases tributadas, em todas as etapas do processo produtivo. Por ser extremamente cumulativo, ele causa uma distorção maior nos preços relativos da economia, criando maior ineficiência. Ao contrário do que se propaga, é um imposto que aumenta a busca pela informalidade e escapes ao uso do sistema financeiro, que é mais facilmente controlado pelos diversos órgãos regulatórios. Além disso, o imposto é regressivo, pois ao ser repassado pelas empresas para os preços finais dos produtos, recai proporcionalmente mais sobre os mais pobres. Atualmente, somente a Argentina o utiliza da forma que está sendo proposto no Brasil, sem possíveis deduções e com ampla base de arrecadação.
Estávamos esperando a reforma da Previdência ser aprovada para destravarmos a falta de ímpeto dos empresários em investir e dos consumidores em consumir. Agora, a incerteza quanto ao que será aprovado em relação à reforma tributária pode retardar esse movimento. O Brasil precisa de uma discussão mais célere e transparente sobre esse tema. Não temos mais tempo a perder.