Opinião

Com Jair Bolsonaro, um raro alinhamento liberal no Mercosul

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 22/08/2019 04:06
Desde 2003, Argentina e Brasil foram liderados por governos com forte viés intervencionista, com os Kirchner e o Partido dos Trabalhadores (PT), respectivamente. A chegada ao poder do presidente Mauricio Macri em 2016, a posse de Michel Temer em agosto do mesmo ano, e a posterior eleição de Jair Bolsonaro foram determinantes para uma mudança de orientação por aqui.

Algumas consequências concretas dessa proeminência liberal ocorreram do início do ano para cá. A principal foi a finalização do acordo do Mercosul com a União Europeia (UE) depois de mais de 20 anos de idas e vindas. É verdade que o bloco sul-americano precisou abrir mão de posições históricas para conseguir esse acordo ; em especial de ceder mais acesso aos produtos industriais europeus, se contentar com menos acesso aos produtos agrícolas na UE e em relação a alguns outros temas não tarifários. Isso só foi possível pela nova orientação política defendida, principalmente, por Brasil e Argentina.

O alinhamento ideológico entre o presidente Macri e Bolsonaro também favoreceu o avanço das negociações dentro do bloco para redução do imposto de importação ; a chamada Tarifa Externa Comum (TEC). Paraguai e Uruguai não têm cadeias produtivas tão desenvolvidas, por isso não oferecem resistência à ideia de redução da TEC. Na verdade, a entrada de Mario Benítez no Paraguai, muito próximo a Bolsonaro, acabou fortalecendo ainda mais a possibilidade de uma abertura comercial do bloco.

Outra decorrência é a aproximação da região com o governo Trump, em um momento delicado de guerra comercial com a China e de uma provável desaceleração global. Bolsonaro esteve nos EUA cinco vezes desde sua posse, indicou seu filho para embaixador em Washington, mas, felizmente, não tomou partido na disputa entre os dois gigantes pela tecnologia das redes 5G (tema para um outro artigo), que está por trás das disputas comerciais que aparecem na superfície.

A proeminência liberal, entretanto, pode ser mais breve do que se imaginava. A derrota acachapante do presidente Macri nas eleições primárias da Argentina e o escândalo no Paraguai envolvendo as negociações para compra e venda de energia elétrica de Itaipu podem mudar novamente o equilíbrio de poder no Mercosul. Na prática, Macri admitiu a derrota para a chapa peronista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner. A orientação do provável novo governo argentino é declaradamente intervencionista e contra a abertura comercial, que vinha se desenhando.

Do lado paraguaio, a presidência de Benítez respira por aparelhos e deve sofrer um impeachment em breve sob acusações de corrupção e entreguismo na negociação da compra de energia de Itaipu. Esse escândalo, aliás, pode até respingar no Brasil, já que as investigações indicam que houve favorecimento nessas negociações da empresa Léros, ligada ao suplente do senador Major Olímpio, Alexandre Giordano. Caso Macri e Benítez percam de fato a presidência de seus países, o governo brasileiro perderá dois importantes aliados e poderá alterar o ritmo de abertura comercial e negociações internacionais, incluindo um acordo comercial com os Estados Unidos. Já se começa a ouvir em Brasília: ;Se o Reino Unido saiu da União Europeia, por que o Brasil não pode sair do Mercosul?;. A questão é que a União Europeia sobrevive sem Reino Unido, mas o Mercosul não resistiria como é hoje a um Brexit.

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