Jornal Correio Braziliense

Opinião

Artigo: a desaceleração global

Há uma incerteza crescente sobre para onde as coisas podem ir, o que afeta a confiança empresarial, atrapalha o funcionamento das cadeias globais de valor e deprime o investimento



Nas últimas semanas, aumentou sensivelmente a preocupação com o ritmo da atividade econômica global. Em especial, há o receio de que a atual desaceleração vire uma recessão. E, caso isso aconteça, que os governos careçam de instrumentos de política econômica para evitar que o mundo desenvolvido se torne um grande Japão: um país que cresce pouco, vive em permanente combate à deflação e assiste impotente à explosão da dívida pública, em que pese os juros estarem sistematicamente abaixo de zero.

Qual o risco de isso acontecer? Para responder a essa pergunta, vale considerar as quatro forças que estão por trás desse aumento da preocupação com o nível de atividade e o receio de que possamos estar à beira de uma recessão mundial.

Primeiro, a guerra comercial entre os Estados Unidos (EUA) e a China. Iniciada em 2018, essa vem em um processo de intensificação e alargamento, incluindo um número crescente de temas. Os EUA vêm elevando as tarifas de importação sobre cada vez mais produtos chineses, mas também restringindo o acesso a tecnologias, proibindo investimentos no país e incentivando as empresas americanas a sair da China. Esta vem retaliando, ainda que não na mesma magnitude, pois não importa tantos produtos americanos assim.

[SAIBAMAIS]Após a reunião dos presidentes dos dois países no fim de junho, por ocasião do encontro do G20 no Japão, as coisas pareciam ter acalmado e se esperava um segundo semestre de negociações. Porém, essas foram abandonadas pouco tempo depois e uma nova escalada tarifária foi anunciada. Além disso, a China deixou sua moeda se desvalorizar, sendo taxada pelo governo americano de uma ;manipuladora de moeda;.

Há uma incerteza crescente sobre para onde as coisas podem ir, o que afeta a confiança empresarial, atrapalha o funcionamento das cadeias globais de valor e deprime o investimento. Nos EUA, isso se somaria à perda de impulso fiscal, que contribuiu bastante para o bom desempenho americano em 2017/2018.

Segundo, a China vinha em um processo de desaquecimento, por conta do esforço do governo chinês de reduzir a alavancagem financeira das empresas do país, que havia crescido muito por canais pouco regulados. A guerra comercial com os EUA veio se somar a esse aperto nas condições financeiras e a expectativa agora é de que o PIB da China desacelere para uma expansão de 6,2%, este ano, e 6,1% em 2020, caindo mais nos anos seguintes.

Terceiro, a desaceleração do crescimento chinês repercutiu negativamente na Europa, onde grande parte da demanda agregada vem das exportações, sendo a Ásia um de seus grandes mercados. A Europa talvez esteja em recessão, puxada pela contração da indústria de transformação. O setor de serviços ainda segue em expansão, mas há o receio de que uma saída não negociada do Reino Unido, o Brexit, e as incertezas políticas na Itália acabem jogando a atividade ainda mais para baixo.

Foi nesse contexto que surgiu o quarto fator: a inversão da curva dos rendimentos dos títulos públicos, com os títulos públicos de 10 anos pagando um rendimento inferior ao dos títulos de dois anos. Nos EUA, todas as nove recessões desde os anos 1950 foram precedidas dessa inversão.

Este último ponto é que o tem gerado mais discussão. A evidência empírica é forte, e há bons argumentos teóricos de porque a inversão da curva de juros seria contracionista. Mas também há boas ponderações no sentido contrário. Em especial, nem sempre a inversão da curva de juros americana foi seguida por uma recessão. E países como o Reino Unido e a Austrália conviveram durante anos com a inversão das curvas de rendimentos dos títulos públicos, sem que isso causasse recessões.

Eu acredito que nos próximos meses a economia mundial vai continuar desacelerando e que a preocupação com uma queda mais forte do crescimento vai continuar no radar. Não apenas por ser essa uma possibilidade, ainda que não o cenário mais provável, mas principalmente porque o mundo está mal preparado para lidar com uma recessão. As empresas, em especial, estão muito alavancadas e uma queda do crescimento vai derrubar a qualidade desse crédito e gerar um estresse financeiro não trivial.

Além disso, sou dos que acredita que a política monetária não tem mais muito espaço para combater uma desaceleração mais forte nos países desenvolvidos. Isso deve ajudar a provocar acalorados debates sobre o uso da política fiscal e o financiamento dos governos pelos seus bancos centrais, via impressão de dinheiro. De fato, uma ;japonização; geral.

*Coordenador de economia aplicada do Ibre/FVG e professor do IE/URFG