Opinião

Artigo: A agricultura 4.0 pede passagem

Automação e conectividade são marcas do agronegócio de atualmente

Caio Tibério da Rocha*
postado em 29/08/2019 08:54
A Embrapa lançou em abril a AgroAPI, plataforma para compartilhar informações sobre culturas, sistemas de produção e zoneamento de risco climático

Tecnologia, inovação e pesquisa científica são a base da transformação do agronegócio brasileiro em uma potência global. Foi graças ao trabalho liderado pela pesquisa oficial brasileira na década de 1970 que o país desenvolveu um modelo de cultivo que permitiu a transformação de áreas do cerrado, até então tido como de solo pobre, no celeiro rico dos dias de hoje. Foi, de fato, uma revolução. Ela abriu caminho para a ascensão da chamada ;agricultura 3.0;, que faz o uso mais inteligente da terra a partir do sistema de posicionamento global (GPS). Esse modelo permitiu fazer recomendações de adubação e irrigação, de acordo com a necessidade e as características de cada local.

Estamos hoje no momento de uma nova transição tecnológica, para a agricultura 4.0, que incorpora automação e conectividade. Conectados à internet, colheitadeiras, drones, robôs e até animais com sensores fornecem informações em tempo real, que formam um banco de dados para a tomada de decisões sobre plantio, colheita, ordenha e outras práticas. Mais uma vez, o Brasil está em linha com o que há de mais moderno sendo feito no mundo, reiterando o alto nível de nosso agronegócio. Mas os avanços não podem ofuscar a necessidade de acelerarmos a superação de gargalos que ainda existem.

Primeiro, é preciso reconhecer as vitórias. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o acesso à internet no campo aumentou 1.790% em pouco mais de uma década, passando de 75 mil propriedades em 2006 para 1,42 milhão em 2017. A ampliação da cobertura de internet tem aberto espaço para a adoção da chamada Internet das Coisas, ou IoT, na qual máquinas e equipamentos interconectados transformam o trabalho de campo em inteligência de dados. Em 2018, de acordo com relatório recente da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), foram investidos R$ 210 milhões em soluções de Internet das Coisas no agronegócio brasileiro. Para o período de 2019-2021, espera-se que os investimentos saltem para R$ 1,3 bilhão, com crescimento anual de cerca de 40% nas aplicações de IoT para o agro, segundo a consultoria especializada em inteligência de mercado IDC.

Em linha com esse novo cenário, a Embrapa lançou em abril a AgroAPI, plataforma para compartilhar informações sobre culturas, sistemas de produção e zoneamento de risco climático. Os dados do rico acervo da estatal têm o potencial de multiplicar o número de agtechs, as startups que criam tecnologias para o campo, realimentando um círculo virtuoso de empreendedorismo, tecnologia e inovação. E, para além do trabalho da Embrapa e das agtechs, as grandes empresas do setor também ajudam o país a dar passos adiante. Para citar um exemplo, um grupo de oito grandes empresas de tecnologia, telefonia e agronegócio anunciou a criação da ConectarAgro, uma rede aberta que pretende levar a cobertura 4G para 5 milhões de hectares até o fim do ano, sendo 1 milhão de hectares de pequenos produtores.

É fundamental valorizar essas iniciativas, mas também enxergar as entrelinhas dos avanços ; porque elas apresentam as barreiras que precisamos superar. Uma delas: o número de propriedades com internet de fato cresceu, como registra o IBGE, mas em grande parte delas a conectividade ocorre por meio de rádios com frequência livre, mais suscetível a interferências e oscilações. Isso impede a adoção de ferramentas como acompanhamento de informações do campo em tempo real. Além disso, como 90% das propriedades do Brasil são pequenas e 67% dos produtores não utilizam tecnologias que dependam de conexão, falta escala para que a internet de alta velocidade chegue a um grande número de propriedades.

A agricultura 4.0 está pedindo passagem no Brasil. O histórico das últimas décadas de sucesso do agronegócio brasileiro, construído com mãos dos setores público e privado, já dá pistas de que o país pode servir de exemplo ao mundo mais uma vez. Há muito ainda por fazer, mas os passos certos estão sendo dados. Como organismo internacional, presente em 34 países, o IICA integra os esforços de frequente atualização. A nossa missão é estimular a troca de experiências entre os países. A tecnologia é o principal insumo para a produção rural. Vamos em frente!
*Coordenador regional do Mercosul do Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA) e ex-secretário de Agricultura do governo do Rio Grande do Sul

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