Opinião

Artigo: De olho nas tarifas de energia elétrica

Tributos e encargos representam a maior parcela da tarifa: 48%

Claudio Sales*, Richard Hochstetler*
postado em 30/08/2019 09:00
Tributos e encargos representam a maior parcela da tarifa: 48%

Não é fácil acompanhar as tarifas de energia elétrica. A variação média das tarifas residenciais que foram reajustadas entre janeiro e agosto deste ano foi de 2,9%, valor abaixo da inflação nos últimos 12 meses, de 3,2%. Mas essa média pode ser confusa para os consumidores espalhados pelas 63 distribuidoras do país, porque os reajustes individuais foram muito diferentes, variando entre um aumento de %2b11,7% e uma redução de -9,2%.

Uma visão mais abrangente da evolução da tarifa de energia pode ser obtida quando são observados reajustes acumulados ao longo dos últimos anos. Segundo dados oficiais (disponíveis na ótima ferramenta ;Luz na Tarifa;, do site da Aneel), a tarifa média residencial subiu 72% entre 2010 e 2019, próximo da inflação medida pelo IPCA, que foi de 68%.

Se dependesse apenas do desempenho das distribuidoras, os reajustes seriam muito inferiores à inflação, pois entre 2010 e 2019 o serviço de distribuição subiu apenas 32%, menos da metade da inflação no período. Mas se os custos reais das concessionárias de distribuição de energia caíram, o que explica a manutenção da tarifa em valores reais (valores nominais descontados da inflação)? A resposta está nos demais componentes da tarifa.

[SAIBAMAIS]Tributos e encargos representam a maior parcela da tarifa: 48%, segundo o último estudo PwC e Instituto Acende Brasil, sendo que os encargos na tarifa média residencial subiram 44% no período. Outro componente é o custo da transmissão, que subiu 40% nos 10 últimos anos em função da ampliação da rede de transmissão para interligar sistemas previamente isolados, viabilizar usinas localizadas longe dos centros de carga, e elevar a capacidade de intercâmbio entre regiões.

Embora esses outros componentes acima tenham subido mais que o componente de distribuição, eles também aumentaram menos que a inflação no período. O componente que mais contribuiu para a elevação das tarifas de energia foi o custo da aquisição da energia, que aumentou 129%: de 108,5 R$/MWh, em 2010, para 248,5 R$/MWh, em 2019. Há vários fatores que ajudam a explicar essa elevação do custo de aquisição de energia elétrica.

Um primeiro fator é a condição climática: o custo aumenta nos anos em que chove menos, pois é necessário substituir a geração hidrelétrica por geração termelétrica, de custo maior, mas que agrega segurança de suprimento para o consumidor. Um segundo fator é a alteração da política operativa. Os modelos matemáticos que definem quais usinas devem ser acionadas em cada momento foram alterados para promover ;despachos termelétricos preventivos; que reduzem a probabilidade e a magnitude dos deficits de geração, reduzindo o custo nos períodos críticos, mas elevando-o nos demais períodos.

Um terceiro fator, mais complexo de ser avaliado, é a política de expansão do sistema. Os leilões adotados para contratar energia de novas usinas são eficazes na contratação pelo menor preço, mas a composição de diferentes tipos de usinas contratadas pode não ser a mais adequada para atender às necessidades dos consumidores.

E por que os reajustes tarifários das concessionárias são diferentes? A razão principal é que os portfólios de contratos de compra de energia das 63 distribuidoras são diferentes. Os reajustes também variam devido a diferenças no perfil de crescimento, nas características geográficas e na incidência de furtos de energia e de inadimplência.

Por fim, há os componentes financeiros, que são compensações pelo descasamento de custos e receitas entre os reajustes tarifários anuais. Como os custos de geração variam mês a mês, mas as tarifas são reajustadas somente uma vez por ano, este descasamento é acumulado por até doze meses, gerando um saldo (positivo ou negativo) sobre o qual incidem juros. Muitas vezes este é o componente que explica a maior parte dos reajustes, sendo que as bandeiras tarifárias mitigam este problema ao reduzir a intensidade e duração deste desajuste.

Assim, embora reajustes tarifários positivos ganhem mais atenção na mídia, o exame sistemático e em horizontes maiores indica que a evolução da conta de luz não tem sido muito diferente dos demais bens e serviços. Além disso, é bom lembrar que reajustes e revisões tarifárias são minuciosamente avaliados pela Aneel e submetidos ao escrutínio da sociedade por meio de audiências públicas. Portanto, quando uma alteração tarifária é autorizada pela Aneel, é porque ela realmente é necessária.
*Instituto Acende Brasil

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