Luiz Roberto Cunha*, Pedro Simões*
postado em 02/09/2019 09:00
Com a aprovação da reforma da Previdência, conquistamos a condição necessária para reverter a explosiva relação dívida/PIB que, desde 2014, vinha crescendo acentuadamente (de 51,5%, ao final de 2013, para 77,2% em 2018). Mas como chegamos a essa situação? De um lado, temos o crescimento do deficit primário, sobre o qual o impacto das mudanças demográficas e um sistema previdenciário com muitos privilegiados são importantes componentes. De outro, os juros reais elevados, fruto de uma política monetária que não tinha na política fiscal a parceria necessária para que juros reais relativamente reduzidos pudessem ser mantidos (vide 2013), de modo a permitir que a economia crescesse de forma sustentada.
No entanto, a história de nosso desequilíbrio fiscal vem de mais longe, de antes do Plano Real (que comemora 25 anos). A inflação elevada e a indexação dos tributos faziam com que o Estado fosse beneficiado, com as despesas dos ativos e inativos sendo devidamente corroídas pela inflação. Após o Real, o Estado foi salvo pelos sucessivos aumentos de impostos, única saída de governos que não conseguiam aprovar as reformas estruturais. Assim, a elevação da carga tributária, que passou de cerca de 26% em 1995 para quase 32% em 2014, permitiu manter a relação dívida/PIB sob relativo controle.
[SAIBAMAIS]Em 2014, porém, a sociedade se revoltou contra os aumentos abusivos de impostos pelos governos sem uma contrapartida de serviços de saúde, educação, segurança e infraestrutura de qualidade. Um recente estudo do Banco Mundial comparou esses quatro fatores fundamentais para o crescimento sustentado e aumento de produtividade em diversos países (Chile, México, EUA, Rússia, China e a média da OCDE). Em todas as comparações, o Brasil esteve sempre em último lugar. Mas quando se acrescenta outra variável, os gastos públicos em relação ao PIB, somos os campeões. Isto é, a revolta da sociedade impediu o Estado de continuar usando aumentos de impostos para se financiar.
Como existem apenas três formas de financiamento do setor público (impostos, emissão de moeda e endividamento), a trajetória explosiva da relação dívida/PIB foi consequência natural desse processo. A perspectiva de insolvência da dívida interna é, sem dúvida, um dos fatores para a alta incerteza que reduz a capacidade de poupança e a disposição para investimento no Brasil. Se conseguirmos avançar na agenda econômica proposta pelo governo, que inclui medidas que podem reduzir o montante da dívida, como privatizações e concessões (atuando diretamente sobre o numerador da relação dívida/PIB), além de outras que melhoram o ambiente de negócios, como a reforma tributária e aquelas contidas na MP da Liberdade Econômica (que impactam positivamente o PIB, aumentando assim o denominador da relação), estaremos aptos a iniciar um ciclo virtuoso. Nesse cenário, com redução do endividamento, como mostram projeções do Ministério da Economia, da Instituição Fiscal Independente (IFI) e do mercado, haveria aumento consistente da confiança na economia.
O que isso tem a ver com estarmos na contramão certa desta vez? Bem, grande parte das economias do mundo apresenta, hoje, uma situação preocupante e ainda não está claro como os formuladores de políticas públicas devem agir em um ambiente que vem desafiando, um a um, os paradigmas tradicionais da economia. As dívidas de governos, empresas e famílias nunca foram tão altas, permanecem em expansão, chegando a aproximadamente 320% do PIB global. Enquanto isso, a inflação continua baixa, principalmente nas economias centrais e, o que é mais perigoso, os juros negativos são uma realidade cada vez mais comum: títulos com rendimento negativo chegaram a US$ 13 trilhões em junho deste ano, tendo seu montante praticamente dobrado em menos de seis meses.
O mundo parece caminhar para uma ;japoneização; e, com isso, a busca por rentabilidade por parte de poupadores, pensionistas e instituições que precisam garantir retornos positivos e consistentes, como bancos e seguradoras, tem levado a altas fortes nos preços de ativos de risco, como as ações e o ouro, em um contexto de elevada incerteza geopolítica e econômica, aumentando consideravelmente o risco de ;bolhas; nesses mercados.
Enquanto isso, no Brasil, podemos testemunhar o início de um ciclo virtuoso, que se dá com redução da relação dívida/PIB, reservas externas elevadas, inflação baixa ; mas não tendendo a zero ; e juros reais também mais baixos ; mas ainda positivos. A não ser que haja uma crise global de grandes proporções, nesse cenário, o país pode se tornar relativamente bastante atrativo para investidores. Caminhamos na contramão do restante do mundo, mas, pela primeira vez em nossa história econômica, a contramão parece ser a direção certa.
*Ambos integram o Comitê de Economia de Mercado, da Confederação das Seguradoras (CNseg)