Opinião

Artigo: Anvisa forte

Inúmeros projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional têm finalidade de reconhecer registros de medicamentos concedidos fora do Brasil, sem qualquer participação de nossa agência regulatória

Nelson Mussolini*
postado em 09/09/2019 09:07

Nenhuma agência regulatória no mundo aceita produtos registrados por outra agência

A ampliação do acesso aos serviços de saúde é uma preocupação constante das pessoas em todo o mundo. Dela decorrem diversas propostas para alcançar este objetivo, mas é cada vez mais difícil atingi-lo, à medida que as populações crescem e envelhecem. Ocorre que, na ânsia de resolver o problema rapidamente, surgem ideias simplistas e muitas vezes equivocadas. Esse é o caso dos inúmeros projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional cuja finalidade é reconhecer registros de medicamentos concedidos fora do Brasil, sem qualquer participação de nossa agência regulatória.

Nada mais enganoso do que supor que um medicamento aprovado em outro país, ainda que a nação seja desenvolvida, possa ser consumido no Brasil sem passar pelo crivo dos técnicos da Anvisa e por testes sanitários que comprovem sua qualidade, eficácia, segurança e, principalmente, estabilidade, considerando a zona climática em que nosso país se situa.

Em todos os países que têm uma indústria farmacêutica forte e solidamente instalada, a regra é clara: as autoridades sanitárias exigem que fabricantes e distribuidores registrem seus produtos no país, mediante a realização de inspeções em todas as etapas de produção e estudos técnicos acurados.

Nenhuma agência regulatória no mundo aceita produtos registrados por outra agência. A FDA, agência americana, não aceita registrar automaticamente os produtos registrados na Emea, agência europeia, por exemplo. Ao contrário. A tendência internacional é a de tornar os controles sanitários locais mais rigorosos, sem aprovações automáticas.

Trata-se de uma evolução compartilhada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um órgão do Estado brasileiro criado para cuidar dos alimentos, medicamentos e cosméticos que consumimos, entre outros produtos e atribuições, que desempenha essa função com muito cuidado e rigor.

Por lei, a finalidade institucional da Agência é promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, em todas as etapas ; do registro à comercialização ; inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados.

Essas atribuições precisam ser mantidas e fortalecidas, pois segurança, eficácia e qualidade são princípios fundamentais da indústria farmacêutica. São fruto de um longo processo de acumulação de conhecimentos e experiências, que resultou no protocolo que rege a produção de medicamentos em âmbito global, consolidado pelo setor em colaboração estreita com os órgãos sanitários internacionais (Organização Mundial de Saúde, FDA, Emea etc.).

Sendo assim, a indústria farmacêutica, no Brasil e no mundo, defende e zela pelo estrito cumprimento das regras que orientam a pesquisa e o desenvolvimento, os testes clínicos em seres humanos que precedem a aprovação de medicamentos e seu posterior consumo pela população. Porque sabe da importância desse protocolo.

Para dar conta dessa tarefa complexa e demorada, a indústria farmacêutica envolve dezenas de milhares de profissionais ; cientistas, médicos, farmacêuticos, químicos, engenheiros ; e realiza altos investimentos. Trata-se de um compromisso fundamental, sem o qual é praticamente impossível garantir a qualidade final dos produtos. Por isso, a prerrogativa da Anvisa de avaliar os riscos dos produtos que está registrando deve ser mantida e devem ser reforçados seus controles de qualidade, diante da constatação de que aprovações automáticas não têm espaço em nenhum lugar do mundo.

Óbvio que seria desejável simplificar a tramitação dos pedidos de registro e promover a harmonização internacional de critérios para a verificação de produtos, principalmente para aqueles que trazem baixo risco sanitário. Com a eliminação de etapas burocráticas desnecessárias, a Anvisa poderia liberar capital humano e estrutura para melhorar a verificação e a fiscalização no pós-mercado, garantindo ainda mais segurança aos medicamentos e outros produtos da área da saúde consumidos pela população. Resumindo: a indústria farmacêutica defende e quer ver preservada a competência legal da Anvisa. Defende uma Anvisa forte. Pois, como escrevi em outra oportunidade, ela constitui um patrimônio do povo brasileiro.

* Presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde

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