Opinião

Artigo: A solidão das mulheres

A sensação é de que, mesmo com os avanços que nos permitem coisas como votar e estar no mercado de trabalho, práticas comuns nos são negadas constantemente

Adriana Izel
postado em 17/09/2019 09:00
A sensação é de que, mesmo com os avanços que nos permitem coisas como votar e estar no mercado de trabalho, práticas comuns nos são negadas constantemente

Pegar um ônibus. Viajar de férias. Andar pelas ruas. Esses atos tão comuns para os homens, são motivos de insegurança para nós, mulheres.

Oito em cada 10 mulheres têm medo de andar sozinha nas ruas. O número é de uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Instituto Locomotiva. Um estudo, publicado em junho deste ano pela Universidade de Brasília (UnB), mostrou que as mulheres da capital federal sentem a necessidade de desenvolver estratégias para exercer o direito de se locomover a pé pelos espaços públicos. Evitando, por exemplo, certos tipos de roupas, ou buscando companhia, algo que o projeto Vamos juntas?, criado pela jornalista feminista Babi Souza, incentiva desde 2015.

Todos esses dados expõem uma realidade palpável aqui no Distrito Federal nos últimos meses. O clima é de temor para qualquer mulher, principalmente após as descobertas dos estupros e feminicídios cometidos por Marinésio dos Santos Olinto. Ele confessou ter matado a auxiliar de cozinha Genir Pereira de Sousa, 47 anos, e a advogada Letícia dos Santos Curado de Melo, 26. O criminoso ainda é investigado por mais 13 possíveis casos.

Genir e Letícia tinham poucas similaridades. Não se pareciam fisicamente, tiveram vidas diferentes. No entanto, tinham algo em comum: estavam sozinhas em uma parada de ônibus. Nada errado nisso. Pelo contrário, algo cotidiano na vida de tantas mulheres. Porém, a solidão feminina ; aqui me refiro ao significado etimológico da palavra, o estado do que se encontra só, e não ao fato de se ter ou não um relacionamento ; parece a cada dia mais ser um castigo.

Apesar dos casos em Brasília, essa sentença da solidão feminina não é exclusividade da capital federal. Ela está exposta, por exemplo, na minissérie Inacreditável, lançada na sexta-feira passada na Netflix. Inspirada em uma história real, a produção retrata, em forma de ficção, uma série de casos de abusos sexuais cometidos por um estuprador em série, entre 2008 e 2011, nos Estados Unidos.

Em um dos momentos da investigação, a polícia busca entender o que há em comum entre os casos. Um investigador do FBI diz não perceber semelhanças, mas logo é interrompido por uma das detetives que explica o que ele, como homem, não consegue ver: todas as vítimas são ;mulheres sozinhas;. Mulheres que estavam dormindo em suas casas sem nenhuma outra companhia. Vigiadas pelo criminoso, ele encontrava o período de vulnerabilidade delas.

A sensação é de que, mesmo com os avanços, graças ao movimento feminista, que nos permitem coisas como votar e estar no mercado de trabalho, práticas comuns nos são negadas constantemente por dia. Até quando?

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação